Rolando de Nassáu
No século 20, cinco obreiros marcaram a música executada nas igrejas batistas no Brasil: Salomão Luiz Ginsburg, Ricardo Pitrowsky, Arthur Lakschevitz, Bill Ichter e Marcílio de Oliveira Filho.
Ginsburg compilou a primeira coletânea de letras de hinos para congregação; Pitrowsky editou a primeira edição musicada do “Cantor Cristão”; Lakschevitz elaborou a primeira grande coletânea de músicas para coro; Ichter editou obras corais, livros hinológicos e didáticos; Marcílio prestigiou e congregou os músicos batistas do Brasil.
Marcílio de Oliveira Filho (junho de 1947-setembro de 2005) fez os cursos de teologia (1966-1969) e de música (1970-1973) no Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, no Rio de Janeiro (RJ); enquanto seminarista, trabalhou na PIB da Piedade e na PIB de Moça Bonita. Estudou canto com René Talba (1972-1973) e na Faculdade “Santa Marcelina”, em São Paulo (SP). Cooperou com a PIB de Santos, SP (1974-1976). Lecionou música na Faculdade Teológica Batista de São Paulo (1977-1988). Foi pastor interino, no primeiro semestre de 1988, e ministro de música da Igreja Batista do Ipiranga, em São Paulo, SP (1988-1989); a partir de julho de 1988, foi diretor do curso de música da FTBSP; de janeiro de 1990 a setembro de 2005, ministro de música da PIB de Curitiba (PR). Fundou, em 15 de outubro de 1982, a Associação dos Músicos Batistas do Brasil., da qual foi presidente (1982-1988).
Marcílio é verbete em nosso “Nassau – Dicionário de Música Evangélica” (p.131) e em nosso site http://www.abordo.com.br/nassau/galeria.htm; a respeito dele escrevemos o artigo no. 466, “Um obreiro polivalente” (ver: “O Jornal Batista”, 29 jul 90, p.2).
O articulista – era a faceta do talento de Marcílio que mais admirávamos; em muitas questões, comungávamos ideais e propósitos; dos artigos de Marcílio para OJB possuímos 119, recortados e arquivados, sendo: cinco, escritos como colaborador avulso em 1978, quando era professor na FTBSP, sobre hinodia contemporânea, tema que versou em alguns dos 27 anos de sua atuação jornalística; 68, assinados, entre 1983 e 1988, como presidente da AMBB; e 46, entre dezembro de 1989 e agosto de 2005, publicados em sua coluna “Notas fora da pauta”.
Dono de um estilo singelo, fluente e fagueiro, deu títulos esquisitos a alguns de seus escritos: “Filho de peixe”, “Capote – um prato bem brasileiro”, “Mulher rendeira”, “Vitórias na terra da moqueca”, “OXO”, “Um pedacinho do Céu”, “Quíntuplos”, “Inverno quente”, “Quem diria?”, “Esqueceram a receita do cuscuz” …
Marcílio prestigiou também cantores e músicos evangélicos, mas não teve tempo para congregá-los; começamos a relacioná-los, mas desistimos porque a lista seria muito extensa.
Um dos temas recorrentes nos artigos “ideológicos” de Marcílio era a programação musical das assembléias convencionais; ele pregava que a assembléia deveria ser “um lugar de comunhão” (“Será que não é tempo de diminuir os debates no plenário?”); “um lugar de adoração” (“Esta precisa ser a tônica de nossas festas convencionais”); “um lugar para testemunho” (“As últimas assembléias convencionais estão se caracterizando como plataformas políticas. Governadores, prefeitos e senadores estão invadindo nossos plenários … (…) Esses políticos usam de nosso tempo, abusam de nossa hospitalidade”.
Depois de visitar os seminários do Rio de Janeiro e de Recife, Marcílio notou que “os cursos de Música Sacra continuam produzindo uma geração de músicos “elitistas”. (…) Os compositores brasileiros não estão sendo prestigiados nos repertórios corais e de solos”. Ao assumir a presidência da AMBB, declarou: “Precisamos sentir o problema do músico que serve a Deus, … mas que não perde, por ser crente, sua característica de músico”.
Escapando de sua natural tendência à benevolência, Marcílio poucas vezes exerceu a crítica musical ou comportamental; raras vezes participou de polêmicas. Alguns leitores ficarão surpresos com a admoestação feita em 1983: “É importante que nossos jovens estudem mais o instrumento (o violão), para sairmos da pobreza que a maioria demonstra”. No artigo “Não deixe a música falir”, lembrou que em 1986 à CBB tinha sido sugerida a criação de uma Superintendência de Música na estrutura da JUERP, e, melancólico, chegou à conclusão: “mas se persistir o quadro atual, há o perigo de a música falir no programa de Educação Religiosa”.
Um dos mais cativantes foi o artigo “O Canto da Amazônia”, no qual relatou a visita a Valdemar Henrique (1905-1995), confessando: “o maior momento que Zelda e eu tivemos em Belém foi conhecer Valdemar Henrique”.
Comentando, em 1988, a situação do mercado fonográfico no Brasil, observou: “Os Batistas não temos atendido convenientemente esta área, e precisamos nos alertar para isto. Estamos perdendo terreno para muitos outros neste campo. (…) nem toda música gravada é apropriada para os cultos. (…) Corre-se o risco de querer incorporar às nossas práticas eclesiásticas o que ouvimos pelos veículos de comunicação”.
Em 1991, num desabafo, Marcílio escreveu: “Igrejas estão tirando “xérox” de nossas músicas, muitas vezes publicadas com esforço e renúncia, pois cedemos direitos autorais ou recebemos pouco, para ajudar na divulgação da musica batista do Brasil. Gravadoras “evangélicas”, coros de igrejas e cantores estão gravando nossas músicas, vendendo milhares de discos, e nem mesmo nos estão pedindo autorização”.
Um concerto na catedral metropolitana de Curitiba despertou Marcílio para incentivar em 1991 a música de órgão em nossas igrejas, e indagar: “qual o papel dos seminários na formação de organistas?, quem, no Ano da Música Batista, possamos ver e ouvir ao órgão?”.
Observando o “show” do conjunto paulistano “Katsbarnéa”, realizado em 1992, em Curitiba, Marcílio manifestou-se assim: “As músicas do “Katsbarnéa” e de todos os outros grupos evangélicos são iguais às do “rock” secular.
O estilo, o ritmo, a forma instrumental, tudo é igual. (…) Não é um repertório para nossos cultos dominicais, e isto precisa ser sempre enfatizado entre nossos jovens, como também entre os convertidos, …, pois poderão se sentir traídos. Chegarão nas igrejas buscando essa música e não deverão encontrá-la (pelo menos espero que não …)”.
Marcílio fez percucientes observações sobre a música na assembléia convencional de 1993, em São Paulo (SP); eis algumas: lamentável – que o povo ainda não aprendeu a ficar em silêncio, ouvindo as músicas que são executadas; lamentável que tivemos apenas duas músicas brasileiras; lamentável que a bandeira brasileira tenha entrado no auditório ao som da marcha americana “Battle Hymn”; lamentável que todas as músicas dos hinos congregacionais fossem estrangeiras”.
No programa da posse de Salovi Bernardo na secretaria executiva do CPC da CBB, em 1993, Marcílio assinalou: “desta vez escolheram dois hinos do “Cantor Cristão” … a liderança batista do Brasil ainda rejeita o “Hinário para o Culto Cristão”.
Em 1994, opinando sobre o uso de “corinhos” no culto, Marcílio destacou o fato: “os “corinhos” são de forma bastante popular, com muitas repetições, aplicando aqui as técnicas modernas de comunicação e “marketing”. (…) os “corinhos” não são o melhor modelo de música”.
Preocupado com a atuação de cantores e músicos brasileiros (que não toleram a crítica musical), em 1995 Marcílio tocou num ponto nevrálgico: “não se preparam suficientemente para a participação no culto; correm o risco de não inspirar as pessoas e não levá-las à adoração”.
Sobre os festivais de música, Marcílio, em 1996, recordou os da década de 60: “A influência desse movimento (“Bossa Nova”) logo chegou às igrejas e a juventude evangélica da época começou também a realizar festivais, com as mesmas características dos “shows” populares, com o advento de guitarras, violões, baterias e outros instrumentos de uso na música popular”.
A partir de 1997, envolvido com a organização dos festivais denominados “Louvação”, Marcílio foi diminuindo sua atuação em OJB. Em 2005, atendendo ao pedido da Direção, Marcílio voltou a escrever suas “notas fora de pauta”, logo notando que “os líderes da música nas igrejas batistas brasileiras estão se adaptando aos novos dias”, mas ainda com a queixa antiga: “É sempre decepcionante a programação musical das convenções. (…) Confesso que tenho dúvidas sobre os novos dias”.
Neste 23º. aniversário da AMBB, uma das melhores formas de prestarmos homenagem à memória de Marcílio de Oliveira Filho é a preservação de seu ideário.
(Publicado em “O Jornal Batista”, 08 jan 2006, p. 14).