Música – Nº. 659
Rolando de Nassáu
Se o órgão é o rei dos instrumentos musicais usados no culto divino, a bateria é a rainha dos “shows”, sejam ou não sejam evangélicos. Tanto a bateria quanto os “shows” são matéria de interesse para a mídia, inclusive para a revista de música batista “Louvor” (Ano 25, Volume 3, Nº.92, 3T02, jul./set.2002).
Em seus 25 anos de existência, a revista tem abrigado opiniões ousadas a respeito da execução musical em nossas igrejas. Concordamos com o preceito constitucional de que deve ser livre a opinião e a manifestação do pensamento individual. Mas esperamos que os colaboradores sejam eficientes e eficazes na expressão de suas opiniões. A revista deu vez e voz a um baterista.
No caso em pauta, o articulista, depois de afirmar que “a maioria das igrejas no Brasil hoje já aceita e possui este instrumento” e cometer a extravagância de dizer que “quem dita o ritmo da música da forma mais eficaz é o baterista”, “até nas músicas trabalhadas por orquestras”, e a ousadia de concluir que “qualquer gênero de instrumento musical” e “qualquer tipo de ritmo” pode ser usado na música-de-igreja, prometeu mas não conseguiu atender ao desejo da Redação de orientar seus leitores sobre o uso da bateria na igreja. Para tanto, o articulista pretendeu “traçar um paralelo entre os instrumentos de percussão mencionados na Bíblia com a atual bateria”.
Questionamos as opiniões do articulista: em primeiro lugar, qual a estatística em que se baseia para afirmar que a maioria das nossas igrejas aceita e possui uma bateria?; em segundo lugar, quais são as obras de música sacra em que o baterista é quem dita o ritmo?
Na opinião do baterista, qualquer gênero de instrumento musical pode ser usado; evidentemente, depende do tipo de ritmo; se for ritmo popular, cremos não ser o apropriado.
Ele tentou um paralelo entre instrumentos mencionados na Bíblia com a atual bateria; não ensaiou uma orientação sobre o uso da bateria.
O paralelo é descabido, pois os referidos instrumentos, nos casos mencionados nos Livros de Samuel (Primeiro, 10:5 e 18:6, e Segundo, 6:5) não participavam de um ato litúrgico, nem os músicos que tocavam saltérios, tambores, flautas e harpas formavam uma instituição.
Não cabe equiparar os instrumentos da Antiguidade bíblica com os atualmente usados na música de jazz. O baterista de hoje não é o tocador de tambor no tempo do Velho Testamento.
Com efeito, à bateria e outros instrumentos de percussão está sendo dada importância, por causa da penetração nas igrejas dos ritmos, estilos e instrumentos da música popular. Alguns músicos batistas (Mark Hayes e seus seguidores no Brasil) descobriram o jazz e a “big band”; estão fazendo arranjos de hinos e cânticos. Em certas igrejas, sempre se encontra um Fulano Batera para defender o instrumento espetacular.
Nas igrejas contemporâneas, o baterista imita os trejeitos dos músicos congêneres do jazz; sua atitude no palco (às vezes ao lado do púlpito!) é a de um “jazzman”; as congregações passaram a ouvir o tambor da música popular, porque é o tambor que cadencia os ritmos de dança.
O tambor e a bateria de jazz estão ligados à origem musical africana. É oportuno lembrar que os escravos africanos, que começaram a chegar à América em 1619, mantiveram-se fiéis à tradição musical da África; na música africana, os tambores não rufam (tradição européia), mas cadenciam danças e cânticos. Um dos mais conhecidos rituais africanos que penetraram nos EUA, embora praticado quase sempre de modo clandestino, é o vodu, “o qual, aliás, apresenta inúmeras semelhanças com o candomblé brasileiro” (ver: Carlos Calado, O Jazz como espetáculo. São Paulo: Perspectiva, 1990, p.71). Na prática musical das primitivas igrejas batistas negras dos EUA a execução mais significativa era a dos tambores. No Brasil, os africanos também trouxeram grande variedade de tambores, que eram usados em cultos fetichistas.
Amigo leitor, se você vê uma bateria no templo é porque ela está fora do seu ambiente. Mas para o baterista não importa que ela seja tocada no templo ou numa sala-de-espetáculo; ela é a rainha do “show”!
PS – No artigo “Tipologia do gospel”, escrevemos que existem três tipos: o de culto, o de concerto e o de espetáculo. No sábado, 13 de julho, surgiu em Brasília o quarto tipo: o “gospel de comício” …
(Publicado em “O Jornal Batista”, 22 set 2002, p. 4).
22 julho 2002.