Música – Nº. 663
Rolando de Nassáu
Por acaso, com 22 anos de idade, em 13 de dezembro de 1951, assumimos a responsabilidade de publicar, em “O Jornal Batista”, uma crônica, comentando um concerto do Coral “Excelsior”, na cidade do Rio de Janeiro.
Adotamos o nome literário de Rolando de Nassau, a fim de que os leitores julgassem o artigo, e não o escritor.
A reação causada pela crônica fez-nos decidir continuar a experiência, tornando-nos crítico musical …
O crítico musical não deve abandonar a arena da música, nem esquecer o seu devido lugar: deve ater-se à matéria de música e ser humilde diante dos músicos.
Temos sido auto-didatas e confiamos na boa qualidade de nosso gosto musical, acrisolado ao longo do tempo. Mas, desde os primeiros anos, sentimos nossa incapacidade, por nos faltar formação acadêmica para o exercício da crítica. Já em 1966 confessávamos: “Temos consciência de nossos deveres éticos e de nossas limitações culturais. Lamentamos que outras pessoas, mais capacitadas, não se disponham à difícil tarefa da crítica musical” (ver: “O Jornal Batista”, 01 jan 67).
Passaram-se 35 anos, mas “as outras pessoas” não apareceram … Temos um atraso de 50 anos na formação de críticos musicais nas escolas de música, dentro e fora dos seminários e das faculdades.
O curso de Crítica Musical deve ter como objetivos básicos: 1o) o desenvolvimento das técnicas de redação; 2o) a prática da cobertura jornalística de temas e eventos musicais; 3o) a capacitação para a percepção e a verbalização do fato musical; 4o) a utilização do recital e do concerto, bem como dos suportes videográficos ou fonográficos, para a comunicação entre os intérpretes e o público leitor; 5o) o entendimento de que a interpretação e a crítica são fatos históricos; 6o) a divulgação de análises feitas por críticos musicais.
Atualmente, os cursos mais avançados estão discutindo a música como fenômeno cultural, por meio da Semiologia (Semiótica): a retórica barroca, os “leitmotif” de Wagner, a técnica serial, a música de um compositor, de uma nação ou de uma época.
Os músicos, inclusive os batistas, nos últimos 50 anos, tiveram uma certa desconfiança para com a crítica musical.
Alguns, mais ilustrados, argumentam que o trabalho do critico busca explicar a obra musical com a linguagem verbal. Parece mais aceitável escrever crítica sobre poesia, pois o poeta e o crítico utilizam a mesma linguagem. Que existe de comum entre a línguagem verbal do crítico e a linguagem sonora do músico? Por isso, são mais aceitas as críticas sobre músicas de tipo poético.
Um célebre crítico musical reconheceu a dificuldade da critica: “Na música, há sentido e lógica, porém “musicais”; é uma língua que falamos e entendemos, mas que não estamos em condições de traduzir” (Eduard Hanslick, Do Belo Musical).
Existe a crítica metafórica, em volta da alma da obra musical; e a crítica analítica, que pretende penetrar no esqueleto.
Existem dois modelos: o de crítica científica ou analítica, e o de crítica intuitiva ou impressionista.
Apesar de tudo, a crítica musical nunca deixou de ser exercida, até mesmo pelos ouvintes que não são críticos …
Um outro famoso crítico musical escreveu que seria difícil encontrar música destituída de todo pensar, só fenômeno sonoro, e, ao contrário, enquanto pensar absoluto, deixaria de ser música e se converteria impropriamente em linguagem (Theodor Adorno, Arquivo de Filosofia).
A crítica científica valoriza o aspecto lingüístico da música; a crítica intuitiva enfatiza o aspecto sonoro.
Quais são os elementos utilizados na análise crítica de uma obra musical? 1o) estudo geral da obra, quanto à sua forma (plano estrutural sobre o qual foi concebida a obra), estilo (contexto existencial e histórico, relação com alguma escola estilística) e harmonia (entrosamento dos movimentos melódico e harmônico); 2o) exame particular das células melódicas, ritmicas e harmônicas da obra; 3o) verificação do tom, compassos, esquema e andamento da obra.
(Publicado em 05 jan 2003, p. 4).