Música – Nº. 629
Rolando de Nassáu
” … Ridentem dicere verum / Quid vetat?” (Quintus Horatius Flaccus)
Ao entardecer, num dia de outubro, quando repousávamos no Rio de Janeiro, saindo do metrô em Copacabana e tomando um ônibus em direção ao Leblon, tivemos, alguns minutos depois, uma experiência inusitada: dois jovens, fantasiados e mascarados, propuseram-se a oferecer um “show” dentro do ônibus. Para os cariocas já é comum ouvir as mensagens publicitárias decoradas por vendedores de doces, salgadinhos, canetas, brinquedos, agulhas, etc. e os pedidos de idosos, surdos, cegos e deficientes físicos. Mas os jovens nada pediam, mas ofereciam poesia, música e coreografia.
Um deles, vestindo uma roupa azul com estrelas prateadas, tendo na cabeça uma cartola verde e amarela, declamava versos alusivos às regiões do Brasil, cada qual com o sotaque regional, mostrando as maravilhas e as mazelas de cada uma delas, enquanto dançava nos ritmos característicos do Norte e do Nordeste, do Sudeste, do Sul e do Centro-Oeste.
O “show” poético-coreográfico por vezes assumia o caráter de espetáculo circense: o rapaz pendurava-se nos corrimões ou dava cambalhotas nos corredores do ônibus.
O outro, mais comportado, além de declamador de poetas clássicos e modernos, no entreato tocava numa flauta transversa o “Cântico da Vitória” (Villa-Lobos ?) e “Jesus, alegria dos homens” (Bach); seu enfoque discursivo estava, não nos problemas brasileiros, mas sobre a situação internacional: terrorismo, violência urbana, globalização, etc.
Os jovens tinham o senso do tempo e da paciência dos passageiros: não os incomodaram por mais de 20 minutos (em nossas igrejas, os espetáculos duram quase uma hora) e saíram, sem aplausos, agradecendo a atenção dos que gostam de programas de auditório, pedindo desculpas aos que não estavam interessados na exibição de seus talentos artísticos e rogando as bênçãos divinas sobre os que prosseguiriam na viagem … Então, vieram da parte traseira do ônibus recolhendo as generosas ofertas dos involuntários expectadores … Quando por nós passaram, pudemos ver a cartola recheada de cédulas de um, cinco e dez reais … Em tão pouco tempo, ofereceram entretenimento e prometeram paz entre os homens …
Foi uma experiência menos traumatizante do que aquela passada numa viagem de Brasília a Curitiba, quando na madrugada um assaltante ordenou a uma passageira que viesse da parte traseira do ônibus recolhendo as ofertas dos outros viajantes, em troca de um susto …
Saindo da letargia provocada pelo indesejado espetáculo, surgiu-nos uma sugestão à Junta de Missões Nacionais: colocar duplas nos ônibus urbanos, que, usando também poesia, música e coreografia, falem da maior necessidade de que se ressentem as regiões do Brasil: o Evangelho. Como diria Horácio, quem pode impedir que, falando a verdade, alguém faça rir?
Certamente, a Junta dispõe de jovens talentosos e desinibidos para entrar nos ônibus e pregar o Evangelho. Pois, nas igrejas, bastam os testemunhos dos missionários durante os cultos para reacender o ardor dos crentes, que, no decorrer do ano, vai se apagando, como pode ser constatado pelas minguadas contribuições mensais para o Plano Cooperativo destinadas à Junta de Missões Nacionais.
Há mais uma oportunidade de servir: nos ônibus!
(Publicado em “O Jornal Batista”, 19 nov 2001, p. 4).