Nº. 679 – A música da “Paixão” – 02 mai 2004, p. 4

//Nº. 679 – A música da “Paixão” – 02 mai 2004, p. 4

Nº. 679 – A música da “Paixão” – 02 mai 2004, p. 4

 

Música – Nº. 679

A música da “Paixão”

Rolando de Nassáu

O “Libertador Evangélico”, então publicação oficial (1962-1964) da Convenção Batista do Distrito Federal, foi o primeiro periódico batista a ter uma seção de cinema; teve sete edições; exercíamos a função de diretor; o golpe de 64 interrompeu nossa carreira de crítico de cinema, agora retomada …

Realizamos o primeiro recenseamento dos Batistas do DF entre novembro e dezembro de 61; pelos 200 questionários devolvidos, ficamos sabendo que cinco homens e sete mulheres declararam freqüentar os três cinemas existentes no Plano Piloto de Brasília; não sabemos se foram excluídos de suas igrejas …

Publicamos críticas aos filmes “Para todo o sempre” (biografia de um pastor), “Rei dos reis” (biografia de Jesus), “O pagador de promessas” (um personagem era protestante), “Assalto ao trem pagador” (Eliézer Gomes, protagonista, era membro da I.B.de Madureira), “Martinho Lutero” (proibido pela Igreja Católica no Brasil), “A Bíblia” (um filme seriado), “Pôncio Pilatos”, “Um Rei em Nova Iorque” e “O profeta de Tecoa” (um filme batista premiado com o “Oscar” por ter sido o melhor filme baseado em história bíblica).

Mudou muito o ambiente cultural e social dos Batistas no Brasil, pois em março boletins, pastores e igrejas incentivaram a ida aos cinemas e na quinzena seis pastores publicaram em OJB artigos sobre o filme “A Paixão de Cristo”.

É um relato das últimas 12 horas da vida de Jesus; não é um filme religioso, mas seu conteúdo é religioso. Mel Gibson, o diretor, já realizou filmes históricos de guerra, nos quais foi exposta com realismo a violência humana, que na “Paixão de Cristo” é exacerbada. O pastor Edvar Gimenes de Oliveira viu no filme “um festival de barbáries contra Jesus, desproporcional à acusação e incom- patível com o bom senso”. Infelizmente, em nossos dias e em nosso meio, há pessoas sofrendo este tipo de flagelo moral.

O filme apela para o aspecto chocante (talvez para despertar o homem contemporâneo de sua característica insensibilidade) e coloca um dilema terrível (aceito ou rejeito o sacrifício de Jesus?), que pode ser intelectual ou espiritual; no caso de Pôncio Pilatos, político.

Mel Gibson é experiente na arte cênica e habilidoso na técnica cinematográfica, ajudado por um esmerado “imprint” fotográfico; seu minucioso “screenplay” aproxima-se do relato bíblico. Ele centrou no sofrimento de Jesus; as cenas de grande impacto emocional estão situadas no julgamento, flagelação e crucificação; poucas cenas foram reservadas para a ressurreição, que constituiriam a explicação “teológica” da história. No início, ele usa uma linguagem artística medieval; no resto da película, falam mais alto a brutalidade e a crueldade contemporâneas, fáceis de ouvir em New York, Los Angeles, Rio de Janeiro e São Paulo; o resultado limita-se ao aspecto visual e ao propósito espetacular. Do pontode-vista dramático, são decepcionantes as atuações de Pedro, João e Maria.

A revista “ÉPOCA” observou que “filósofos e teólogos, pintores e escultores, escritores e cineastas fizeram do relato da vida de Jesus uma espécie de espelho”, mas esqueceu-se dos compositores …

John Debney compôs a trilha sonora, onde predominam os instrumentos; intencionalmente, não quis compor uma partitura alusiva à época de Cristo. Em sua juventude, estudou guitarra e tocou em bandas de “rock”.

Preferimos a arte dos sons à das imagens, mas não a de Debney; alguns “espectadores” disseram que prestaram mais atenção à música; talvez para esquecer as cenas de horror ou procurar a fugidia linha melódica do filme …

As mais importantes faixas de Debney são: l) “Pedro nega Jesus”- há um vozerio indiscriminado; a música deveria ter frases contrastantes; na “Paixão” de Bach, acompanhando a ária para contralto, que comenta a negação, o violino, numa das mais belas melodias, expressa o remorso de Pedro; 2) “Levando a cruz” – música processional que vai marcando os tombos de Jesus; deveria expressar a idéia de que a cruz é fonte de graça e felicidade, e não de murmuração; Bach usou uma ária, “Komm, susses Kreuz”, em que o baixo-solista parece estar olhando para a pintura de El Greco, “Jesus abraçado à cruz”; 3) “Levantando a cruz” – Debney captou a gritaria dos espectadores da crucificação e o som dos tambores dos soldados; Bach preferiu um recitativo, no qual o contralto manifesta a sua indignação ante a visão do Gólgota; 4) “A descida da cruz” – Debney enfatiza a perplexidade da multidão face ao terremoto; num coral, Bach põe na boca do crente uma súplica ao Salvador: que seja sustentado por Jesus quando chegar o dia de sua própria morte !

Convictos de que “a fé vem pelo ouvir” (e não pelo ver), pretendemos, na próxima “Semana Santa”, ouvir a música da “Paixão” de Bach, que torna a de Debney um ruído da “New Age” …

(Publicado em “O Jornal Batista”, 02 mai 2004, p. 4).

 

2018-02-21T14:46:53+00:00 By |Recitais e concertos|