Nº. 695 – Barroco na Memorial – 02 out 2005, p. 4

//Nº. 695 – Barroco na Memorial – 02 out 2005, p. 4

Nº. 695 – Barroco na Memorial – 02 out 2005, p. 4

 

Doc.JB-695

Barroco na Memorial

Rolando de Nassáu

Pouco antes do início do culto dominical noturno, em 12 de junho, aconteceu, no templo da Igreja Memorial Batista, em Brasília (DF), o concerto de música sacra barroca realizado pelo grupo vocal “perSonare”, criado em 2004 por professores da Escola de Música de Brasília.

Alguém poderá estranhar a denominação adotada pelo grupo. A partir de 1535 (século XVI), na Itália, sonata e da sonare começaram a designar uma composição e uma execução instrumental, distintas de cantata e da cantare, que referiam-se ao emprego da voz humana; toccata era música para instrumentos de teclado e cantata, música para vozes; sonata e cantata eram palavras italianas, derivadas de sonare (soar) e de cantare (cantar), respectivamente. Foi Kaspar Kittel quem empregou, em 1638, na Alemanha, pela primeira vez, a palavra kantate; eram usadas as palavras geistliche konzerte e symphonia sacra.

Na Memorial, apresentaram-se as sopranos Lívia Lavorente e Tristana Rossi, as meio-sopranos Malú Mestrinho e Mônica Simões, os tenores André Vidal e Eldom Soares, os baixos Alberto Almeida Júnior e Josué Terceiro, acompanhados por Ana Cecília Tavares (cravo) e Cecília Aprigliano (viola da gamba). O grupo não canta exclusivamente obras do período barroco (1600-1750); no próximo concerto, pretende apresentar obra de Valdemar Henrique (1905-1995). Os comentários de André Vidal elucidaram os ouvintes a respeito das peças do bem elaborado programa.

De Heinrich Schutz (1585-1672), o maior compositor alemão do século XVII, ouvimos o solo “O Jesu, nomen dulce”, executado pelo tenor André Vidal; trata-se de uma das peças latinas da segunda coletânea “Kleiner geistlichen concerten”, SWV-308, completada em 2 de junho de 1639; é uma oração baseada no hino “Jesus, dulcis memoria”, de Bernard de Clairvaux (HCC-316). A outra peça foi “Was betrübst du dich,meine seele?”, SWV-353, de 1644, baseada no Salmo 42:5, e pertencente à coletânea “Symphoniae Sacrae” – II; executada, com acompanhamento, por Lívia, Tristana, Malú, Eldom e Alberto. Na escritura vocal de Schutz, as peças deveriam ser executadas no estilo do bel canto.

A terceira “Leçon de Ténèbres” (Lição de Trevas), baseada nas Lamntações de Jeremias (1:10-14), composta em 1717 por François Couperin (1668-1733), utiliza cinco versetos num acróstico (cada verseto é iniciado por uma letra do alfabeto hebraico) para descrever Jerusalém destruída. No dueto (Lívia e Tristana) as seqüencias: 1) “Yod” ou “Jod” – diálogo em emocionante contraponto para afirmar: “Manum suam misit hostis” (Estendeu o Adversário a sua mão); 2) “Kaf” ou “Caph” – há uma intensa expressão para dizer: “Omnis populus ejus” (Todo o seu povo); 3) “Lamed” – que é reforçada na frase “O vos omnes” (A todos vós); 4) “Mem” – no trecho “De excelso misit” (Do alto enviou) é ressaltada a palavra “desolatam” referindo-se à situação de Jerusalém; 5) “Nun” – em “Vigilavit jugum” (O jugo está atado), Jerusalém reconhece não poder resistir aos seus inimigos; na coda, a lição desafia: “Jerusalem convertere” (Converte-te, Jerusalém).

Malú e André executaram o no. 50 do oratório “Messias”, de Georg-Friedrich Haendel (1685-1759), “O death, where is thy sting?” (Ó Morte, onde está o teu aguilhão?), HWV-56, com acompanhamento, num dueto que parece um duelo entre o pecador e a morte.

No trecho “Suscepit Israel” (Amparou a Israel) do “Magnificat”, BWV-243, de Johann Sebastian Bach (1685-1750), com acompanhamento, Lívia, Tristana e Mônica representaram os filhos de Israel, entrelaçando suas melodias; é uma composição ao mesmo tempo vigorosa e suave. “Freut euch und jubiliert” (Alegrai-vos e festejai) é uma canção natalina que constou da primeira versão (1723) do “Magnificat” (BWV-243-a); foi cantada por Livia, Tristana, Malú e André.

O conjunto vocal cantou, a cappella, o “Kyrie eleison” (Senhor, tende Piedade) da “Missa em si menor”, BWV-232, 1749, de Bach.

De Francesco Antonio Scarlatti (1666-1741), irmão de Alessandro Scarlatti, o conjunto cantou, também a cappella, “Exultate Deo”.

Ainda a cappella, de Antonio Lotti (1667-1740), executou “Crucifixus”, que apresenta uma textura dissonante e estranhas modulações, exigindo reajustes na afinação coral; na frase “sub Pontio Pilato” é ressaltada a palavra “passus” (sofreu).

Finalmente, a cappella, dividido em dois grupos, executou o moteto “Jauchzet dem Herrn” (Celebrai ao Senhor), de Johann Pachelbel (1653-1706), composto com textura homofônica; Pachelbel foi o mestre da música vocal alemã na segunda metade do século XVII.

Os cantores e os instrumentistas executaram suas partes com proficiência invulgar. Além de possuírem belas vozes e firme técnica de execução, sabem escolher o seu repertório, que é de alto nível espiritual e artístico.

Quando teremos em nossas igrejas cantores e músicos com essa competência? Quando os nossos seminários estarão preocupados em formá-los? E quando as nossas igrejas estarão interessadas em ouví-los?

O concerto barroco entrou para a história da Memorial !

 

(Publicado em “O Jornal Batista”, 02 out 2005, p. 4).

 

2018-02-21T14:47:38+00:00 By |Recitais e concertos|