Música – Nº. 704
Rolando de Nassáu
(Dedicado ao leitor Rolands Sture, de São Paulo, SP)
A emissão da voz, para o canto, pode variar não apenas no aspecto timbrico, mas também do ponto de vista fisiológico; na “voz de peito”, a emissão é dirigida para baixo, a partir da laringe, como meio de dar substância e sonoridade às notas mais graves; é o que ensina o “Grove”, a partir da classificação elaborada no século XIII.
O ensino tradicional de canto é essencialmente um processo qualitativo que usa uma técnica que tem sido passada entre as gerações de cantores. O sucesso deste processo para avaliação da qualidade da voz apóia-se primariamente nos ouvidos e nas habilidades perceptivas do professor, que deve guiar o cantor estudante a uma postura que o torne capaz de produzir o som apropriado. O processo é amparado pelo conhecimento e pela experiência pessoal do professor, demonstrados durante as lições.
A realidade física do processo de produção da voz raramente é descrita, mas pode ser revelada pela tecnologia. O conhecimento da produção da voz humana fez avanços durante o final do século XX, graças à disponibilidade do computador pessoal; as facilidades da mensuração eram encontradas somente nos laboratórios científicos. O processamento de áudio é agora possível em computadores pessoais de multimídia. A utilidade desses recursos para treinamento da voz depende de serem especificados e formatados. A pesquisa quantitativa estabelecerá quais parâmetros mudam durante o desenvolvimento da voz; essa pesquisa revelará as diferenças entre os cantores quando participam de um quarteto vocal.
Um significativo aumento das diferenças pode ser achado apurando-se o número de anos de treinamento e de experiência no canto de cantores masculinos adultos. As diferenças são notadas quando eles cantam e quando eles falam, sendo testados por um laringógrafo. A primeira providência seria submeter os integrantes de um quarteto vocal masculino a uma laringografia, antes de cantarem, por exemplo, “Pequena vila de Belém” (Philip Brooks – Salomão Ferraz) ou “O primeiro Natal” (Ruth See) …
Cantar num quarteto vocal masculino exige a habilidade de cada integrante ouvir a sua emissão vocal e a dos outros membros do grupo. Uma das naturais conseqüências deste processo de verificação instantânea é o canto afinado, mas o aspecto mais importante do som de um quarteto vocal é a perfeita “mistura” das vozes.
A “mistura coral” é uma função da produção vocal e o efeito da acústica local. Os cantores devem tomar muito cuidado com a amplificação sonora (microfones, alto-falantes, “play-backs”, etc.). É necessário que cada cantor adapte sua sonoridade, altura de som e timbre à média do grupo. A adaptação da sonoridade requer a habilidade para controlar o nível acústico; a da altura do som exige uma produção de som afinado; a do timbre é baseada na uniformidade das vogais.
A “mistura coral” depende do treinamento no canto e da experiência na participação num quarteto vocal masculino.
Além do indispensável treinamento e da desejável experiência, o quarteto vocal deve demonstrar capacidade para escolher e executar seu repertório.
Primordialmente, deve selecionar peças de música genuinamente sacra que sejam apropriadas ao conjunto vocal. Temos ouvido quartetos que usam música ostensivamente profana ou falsamente sacra. Isto demonstra o despreparo do dirigente e a cumplicidade dos integrantes do grupo. As peças devem ter sido compostas para quarteto, não para outra formação vocal.
Preferimos que cante a cappella, mas admitimos um acompanhamento discreto pelo piano. Alguns bem conceituados quartetos masculinos (“Cantabile” e “Songfellows”, por exemplo) contam com pianistas permanentes (Phyllis Silver e Robert Rogers, respectivamente), o que contribui para a pretendida “mistura coral”. O uso de “play-back” prejudica essa “mistura” e desvaloriza o desempenho do quarteto, sob o ponto de vista ético.
O quarteto deve preocupar-se com a amplificação sonora, pois este recurso tecnológico pode tornar-se um pesadelo para os cantores e uma tortura para os ouvintes. Às vezes, o quarteto culpa o sonoplasta pelo insucesso da apresentação.
É muito importante o comportamento do quarteto no palco: deve ser sóbrio, não espalhafatoso ou performático, pois o que vale é a produção sonora.
É revelador da verdadeira intenção do quarteto a sua atitude fora do palco, depois da apresentação: realizada para “louvar a Deus”, foi tão mal preparada que na verdade a preocupação maior era a venda dos discos. É justo que, num dia que não seja o Dia do Senhor, e numa ocasião que não seja o culto a Deus, o quarteto veja a premiação de seu esforço. Alguns quartetos (e outros “artistas” evangélicos) percorrem as igrejas para promoção de suas gravações durante os cultos; essa prática confronta e desafia a reação de Jesus no templo de Jerusalém (Mateus 21: 12 e 13; Marcos 11: 15-17; Lucas 19: 45 e 46; João 2: 14-17). O louvor a Deus não se realiza se a apresentação é maculada pelo mercantilismo.
Essas são as nossas expectativas em torno de um quarteto vocal, muito modestas e pouco exigentes; não acha o leitor?
PS – Em 1993, o prezado leitor Rolands Sture, então membro da Igreja Batista Leta de São Paulo (SP), tinha recortados e arquivados 510 dos 540 artigos publicados até aquela data; desde 1954 ele colecionava os nossos artigos; é um dos mais fiéis leitores.
(Publicado em “O Jornal Batista”, 02 jul 2006, p. 4).