Música – Nº. 717
Rolando de Nassáu
(Dedicado ao leitor Antônio Henrique de Souza, do Rio de Janeiro, RJ)
Em 1º. de abril, no início da Semana Santa de 2007, nos cultos dominicais de duas igrejas batistas, uma em São Paulo e a outra em Brasília, aconteceu, simultaneamente, a execução de obras corais e a projeção de cenas extraídas de discos DVD, originadas em filmes cinematográficos a respeito de Jesus. Nas duas igrejas, foi diminuída a importância dos coristas e dos músicos.
Em São Paulo, foi executada uma cantata; em Brasília, foram entoados hinos de diversas procedências. Por uma questão de educação estética, não vimos as cenas; preferimos ouvir o canto coral, porque música coral é para ser ouvida, não é para ser vista. Preferimos a arte dos sons à das imagens, convictos de que “a fé vem pelo ouvir” (Romanos 10:17).
O que aconteceu em São Paulo e em Brasília foi a tentativa de simular um efeito audiovisual semelhante ao de um videoclipe; foi a mera imitação precaria e artesanal da tecnologia televisiva; houve a intenção, mas faltou o formato de um videoclipe: uma produção de natureza cinematográfica para apresentação de música; alguém procurou sincronizar as imagens projetadas pelo DVD com o canto coral, embora as imagens não sejam ligadas aos sons; em geral, as pessoas que montam os videoclipes são incapazes de estabelecer um nexo artístico entre som e imagem. Temos o exemplo de John Debney, que compôs a trilha sonora do filme “A Paixão de Cristo”, dirigido por Mel Gibson; ele estudou guitarra e tocou em bandas de “rock”; sua música é um ruído da “New Age” (ver: OJB, 02 mai 04).
Imediatamente, preocupou-nos a questão legal. Nos DVDs, sempre vem a advertência dos seus produtores: a cópia da obra audiovisual, a que resulta da fixação de imagens, incluindo sua trilha sonora, destina-se exclusivamente a exibição doméstica privada (“home entertainment”), proibida toda e qualquer outra forma de exibição ao público (em teatros, cinemas, boates, clubes, hotéis, hospitais, igrejas e associações de qualquer natureza); aplicam-se aos infratores, por violação do direito do autor de obra artística, o disposto no art. 68, par. 3º., da Lei nº. 9.610 (1998) e no art. 184 do Código Penal (1940).
Lembramos que em 2005 um fiscal do ECAD estava visitando templos evangélicos na capital paulistana para calcular a cobrança pela execução de cânticos, com base na lei acima referida. Defendemos as igrejas, com o argumento de que não eram “associações de qualquer natureza” (Lei nº. 9.610), mas “organizações religiosas” (Lei nº. 10.825) (ver: OJB, 05 fev 2006).
Superada a questão legal pelos argutos e bisonhos “vídeo-clippers”, permanece o problema cultural. Se um coro, para executar uma cantata, precisa do suporte visual de um DVD, é um coro deficiente e inseguro. Será que os habitantes de Leipzig, em 11 de abril de 1727, quando ouviram pela primeira vez a “Paixão de Cristo, segundo São Mateus”, conduzida por Johann Sebastian Bach, sem precisar de ver no telão do templo cenas daqueles filmes passionais, eram mais inteligentes do que os de São Paulo e Brasília? Projetar imagens para explicar melodias é desmerecer a inteligência dos ouvintes.
Vemos a ameaça mercantilista, pois o videoclipe explora, ao extremo, o interesse econômico e ideológico do ambiente musical. A “Music Television”, na década de 80, começou a desenvolver valores da pós-modernidade e da ideologia capitalista, a serem disseminados para fácil e rápida assimilação pelas massas urbanas; o povo ficou ainda mais massificado em relação ao seu estilo de vida. Por isso, os sons e as imagens são montados para transmissão fragmentada e acelerada, dando aos ouvintes e espectadores pouco tempo para reflexão.
No Brasil, na década de 90, a MTV procurou influenciar as atitudes e o comportamento do público jovem. Esse canal de televisão por assinatura paga (visto por jovens da classe média) tem o propósito de preparar a juventude para a idade adulta, quando estará submisso aos valores da cultura pós-moderna.
O perigo da adoção ou aceitação do videoclipe é ser usado, durante os cultos das igrejas batistas, para promoção comercial das “estrelas” da música evangélica.
A tendência tecnológica e mercadológica é produzir e exibir vídeo-clipes na Internet. Isto facilitará a penetração dos videoclipes de artistas evangélicos nos computadores pessoais do povo batista, nos sites das igrejas locais e nos portais dos órgãos da nossa Denominação, o que redundará em maior influência da música de entretenimento (“gospel-rock”) sobre o gosto musical dos Batistas brasileiros. Em pouco tempo, aqueles videoclipes poderão ser exibidos durante os cultos de nossas igrejas, o que seria uma lástima.
Além disso, devemos ter cuidado com o aspecto educativo: as congregações batistas, se ficarem dependentes de um suporte visual, deixarão de aperfeiçoar seu gosto musical; ficarão distraídas pelas imagens do DVD; nem perceberão que, no palco, à sua frente, para cantar e tocar, estão os coristas e os músicos de sua igreja. No futuro, será dispensável a presença dos coros, dos instrumentistas e dos regentes: bastará acionar o videoclipe …
Cremos que os “vídeo-clippers” de São Paulo e de Brasília, apreciadores da genuína arte coral, não atentaram para as implicações do uso do videoclipe na igreja e que não desejam mais esse modismo.
(Publicado em “O Jornal Batista”, 01 jul 2007, p. 4).