Nº. 672 – Arranjos e miscelâneas – 05 out 2003, p. 4

//Nº. 672 – Arranjos e miscelâneas – 05 out 2003, p. 4

Nº. 672 – Arranjos e miscelâneas – 05 out 2003, p. 4

 

Doc.JB-672

Arranjos e miscelâneas

Rolando de Nassáu

A hinodia cristã, formada ao longo dos últimos 500 anos, está sendo infectada, no ambiente batista, por dois potentes vírus: os arranjos, que destoam e desfiguram as músicas dos hinos, e as miscelâneas, que confundem e subvertem as letras dos hinos.

Os músicos e poetas cristãos, treinados durante muitos anos em conservatórios e academias, sempre procuraram a excelência na composição musical ou literária.

Esses artistas, no caso dos músicos, preferiram a arte maior, a composição, para criar peças musicais, destinadas a solistas ou conjuntos, registradas, da primeira à última nota, em partituras; no caso dos poetas, com enredo lógico e imaginação inspirada, baseados na arte de fazer versos, escreveram poemas.

Não é o caso dos arranjadores e dos compiladores de miscelâneas, que fácil e comodamente se rendem à técnica, de nível medíocre, de fazer uma versão diferente da obra original, seja música ou letra de hino.

Arranjo é um termo utilizado na linguagem da música profana popular para designar a livre adaptação, para um conjunto instrumental, de uma cancão. Esta prática desenvolveu-se, a partir da década de 20, nas orquestras de “jazz”, lideradas pelo pianista negro Duke Ellington, chegando a tornar-se uma recriação total da obra original.

O músico de “jazz” considera o arranjo não como uma limitação da liberdade de improvisação, mas sim como uma ajuda. O arranjo incentiva instrumentista a improvisar na execução musical. Mesmo quando acompanhado, o solista é livre para inventar (ver: Joachim Ernst Berendt, The Jazz Book. Westport, Connecticut, USA: Lawrence Hill, 1982).

Ironicamente, foi um músico erudito branco, Paul Whiteman, que, por meio de arranjos orquestrados previamente escritos, modificou o “jazz”, música popular negra, dando-lhe caráter sinfônico. Isto demonstra que o arranjo deforma a obra original. Por isso, preocupa-nos a anunciada orquestração dos hinos do HCC.

Importantes músicos evangélicos norte-americanos contemporâneos (Bob Burroughs, David Danner, Alta Faircloth, Thomas Eugene Fettke, Donald Hustad, Kurt Kaiser, Philip Landgrave. Wilbur Lee, Max Lyall, Gregory Nelson, Stan Pethel, Milburn Price, John Purifoy, Buryl Red, Otis Skillings), ainda influenciados por Duke Ellington, aderiram à técnica do arranjo; por sinal, Kaiser, Lyall, Nelson e Skillings tiveram intensa formação pianística. Buryl Red, em 1993, confessou que sua obra coral foi influenciada pelo “Sacred Service”, de Ellington (ver: OJB, 26 set 93).

Mark Hayes é um dos mais conhecidos pianistas e arranjadores no meio musical evangélico norte-americano; ele usa a linguagem jazzística em suas obras corais e em seus arranjos de hinos; estes são a pior parte em sua produção musical, porque servem ao entretenimento, não ao culto. Peças da hinodia tradicional, ainda não contaminadas pelo “jazz”, foram impiedosamente estropiadas por Mark Hayes. No Rio de Janeiro e em Brasília, em sua passagem, em 1997 e 1999, deixou discípulas, também pianistas exímias e apreciadoras de arranjos de hinos (ver: OJB, 15-21 mai 2000).

Alguns pianistas inexperientes cedem à tentação de executar escalas fantasiosas, adornos melódicos, passagens cromáticas, “efeitos”, pirotecnias pianísticas, com isso prejudicando a reverência e a espiritualidade do culto (ver: OJB, 01 ago 57). É justamente na execução de arranjos, um momento para eles oportuno para exibição de destreza pianística, que eles se sentem mais à vontade para improvisar e inventar …

Lembramos o pianista Gamaliel Perruci como exemplo de honestidade no desempenho de sua função, tocando “com muita oração e humildade”.

Não é possível comparar a profunda impressão causada pelos hinos de Verner Geier e Hiram Rollo Júnior com a rarefeita e incerta sensação de que o arranjo desfigura a música de algum hino.

Miscelânea é mistura de variadas letras de hinos. Os franceses chamam uma antologia de “pot-pourri”, reunião de motivos extraídos de óperas; esteve muito em voga na música para piano do século 19 …

A tarefa macabra e inglória de um manipulador de miscelâneas consiste em misturar: estrofes do HCC-228 com as do HCC-235; versos de um cântico com o estribilho do HCC-66; estrofes do HCC-79 com as do HCC-193; estrofes do HCC-2 com as do HCC-25; versos de um cântico com estrofes do HCC-52; estrofes do HCC-62 com as do HCC-64; versos e um cântico com estrofes do HCC-6; limitamo-nos a estes exemplos.

Igualmente, enxertar, isto é, acrescentar estrofes à letra de um hino, parece-nos ser um expediente incompatível com a ética. Os músicos e poetas batistas devem trabalhar para aumentar a produção de novos hinos, ao mesmo tempo em que os dirigentes musicais preservam os hinos antigos que são convenientes ao culto.

Que diriam os autores e compositores dos hinos “misturados” e “enxertados” ?

Que dirão os proprietários dos direitos autorais?

Não é possível comparar a seriedade das letras dos hinos de Jilton Moraes de Castro, David William Hodges, Ossimar Martins Alves, Mônica Coropos, Mário Barreto França, Werner Kaschel, Guilherme Loureiro, Gióia Júnior, Simei de Barros Monteiro, Nabor Nunes Filho, Almir Rosa, João Fernandes da Silva Neto e João Filson Soren com a ligeireza das miscelâneas.

Se os cânticos e os arranjos foram uma alternativa nem sempre apropriada para os hinos, agora as miscelâneas poderão significar para a hinodia combalida – o tiro de misericórdia …

 

(Publicado em “O Jornal Batista”, 05 out 2003, p. 4)

 

2018-02-21T13:57:03+00:00 By |Formas e estilos musicais|