Doc.JB-681
Rolando de Nassáu
Em seu livro “The Pursuit of God” (1948), A.W.Tozer escreveu: “Adoração é a jóia perdida da Igreja Evangélica. (…) a arte do culto perdeu-se inteiramente, e, em seu lugar, surgiu aquela estranha coisa chamada “programa”. Esta palavra tem sido importada do ambiente dos palcos e aplicada ao tipo de culto público que acontece entre nós como sendo adoração”.
Na década de 80, começamos a perceber que a verdadeira adoração é pouco praticada em nossas igrejas. Foi em 14 de abril de 1986 que, pela primeira vez, ouvimos a expressão “louvor e adoração”, repetida à exaustão, num “show” do conjunto musical “Água Viva”, realizado na Escola de Música de Brasília (OJB, 25 mai 86, pp.2 e 11); esse conjunto paulistano pertencia ao Ministério de Louvor e Adoração (MILAD). Em 1986 escrevemos que era duvidosa a originalidade do “Água Viva” e essencialmente alienígena a inspiração de Luciano Garrutti, Israel Pessoa, Sérgio Pimenta e João Alexandre. Recentemente descobrimos que sua procedência encontrava-se no estilo “praise and worship”, divulgado, desde o início da década, por Kendrick Graham (“Shine, Jesus, shine”- “Brilha, Jesus, brilha”) e Twila Paris (“He Is Exalted”- “Ele é exaltado”). O estilo “praise and worship” era separado da hinodia tradicional, usada nos cultos dominicais das igrejas, mas o “marketing” das gravadoras, evangélicas e profanas, conseguiu unir “industry and ministry”, isto é, indústria e ministério da adoração !
A expressão tornou-se bordão dos dirigentes de cultos em muitas de nossas igrejas. Para título de seu livro, Ramon Tessman recorreu ao bordão; ele é o fundador do grupo musical “Vida Nova”; como esse, pululam centenas de conjuntos vocais, alguns também coreográficos, no meio artístico.
Afinal, quais lugares que a adoração e o louvor devem ocupar no culto divino ? Formam um só ministério, atribuído a um ministro auxiliar ?
Na busca de Deus, procuramos conhecer Deus por meio da leitura e meditação na Sua Palavra; somente quando adoramos podemos chegar ao conhecimento de Deus; para tanto, devemos reconhecê-LO, reverentemente; no caso do culto público, no Universo e no Templo.
Podemos expressar, pelo canto, nosso reconhecimento; por exemplos: “Ó Deus do céu, da terra e mar, humildes vimos Te adorar” (CC-23); “Deus está presente. Vamos adorá-LO, reverentes, exaltá-LO. Deus está no templo; quietos, pois, fiquemos; diante dEle nos prostremos. (…) Adoremos todos com sinceridade Tua glória e majestade” (HCC-222).
A experiência da adoração deve ser precedida por uma experiência de reflexão e santificação, propiciada pela oração individual ou pela intercessão coletiva; isto agrada a Deus. Por isso, causa-nos estranheza o fato de, nos “shows” promovidos pelos “ministérios” que pretendem realizar a “adoração em massa”, faltar a humildade dos “astros” convidados (a peso de ouro) para cantar ou tocar instrumentos, e a reverência dos assistentes, que não permanecem corporalmente quietos e não demonstram uma contrição espiritual; todos não se comportam com sinceridade, pois, todos, estão ganhando ou gastando dinheiro com os ingressos dos “shows”. Que adoradores são esses ?
Não havendo momento para reflexão, será muito superficial a adoração. O que temos visto é agitação corporal e explosão emocional.
A adoração, liderada pelo pastor da Igreja, requer uma atitude vital; no louvor, os cultuantes devem expressar o estado da alma.
O erro é fazer do culto breve oportunidade para adoração e longo tempo para louvor; este realiza-se, verbalmente ou por meio de instrumentos musicais, inclusive nas outras partes do culto: confissão (“Dirijo a Ti, Jesus, minha oração, do mal que pratiquei, a confissão” – CC-159); contrição (“Apaga, Senhor, minhas transgressões, do mal limpa meu coração. Diante de Ti, quero puro estar, viver em perfeita união” – HCC-282); consagração (“Eu aprender desejo a santa e boa lei, cumprir o Seu mandado, com toda a Sua grei” – CC-163); testemunho (“Ele pagou o preço na cruz. Livre em Cristo, alegre em Sua luz” – HCC-308); dedicação de bens e vidas (“O que sou e tudo o que possuo eu entrego para Te servir. Quero ser um instrumento usado por Ti” – HCC-478); proclamação do Evangelho (“A mensagem do Senhor – aleluia! – nos fala de perdão e amor” – HCC-264).
O cântico de Daniel Souto de Moraes expressa bem o propósito individual de adoração: “Compadece-Te de mim, ó Deus! Por Teu amor e pela Tua compaixão, lava-me completamente do meu pecado, pois eu reconheço que sou fraco, preciso de Ti. Cria em mim, ó Deus, um coração puro. Renova dentro de mim um espírito inabalável. Purifica-me! Santifica-me!Pois só assim, ó Deus, eu poderei Te adorar! Pois só assim, eu poderei Te louvar e Te agradar!”.
Ministério de Louvor e Adoração (“praise and worship”) é expressão copiada e difundida pelo MILAD; existe o ministério da música, que cuida do louvor; o ministério da adoração e proclamação do Evangelho cabe ao pastor.
Devido a um equívoco, alguns ministros de música e dirigentes de equipe-de-louvor comportam-se no culto com a pretensão de liderar a adoração.
Certos “ministérios” promovem congressos, nos quais instruem ministros, músicos, cantores e coreógrafos sobre as etapas da adoração e os treinam na dansa e no uso de instrumentos musicais para os momentos de louvor; esses congressos têm um escopo muito abrangente, podendo até atingir a posição doutrinária da igreja visitada. Talvez haja quem não discuta o nível de qualidade das oficinas, mas está envolvido não apenas o aspecto técnico; certamente as questões doutrinárias e os princípios éticos levantados pela realização desses congressos doravante exigirão uma tomada-de-posição quanto ao genuíno significado da adoração e do louvor em nossas igrejas.
O pior é que esses congressos são organizados por empresas de fins lucrativos; o verdadeiro adorador não considera a adoração um evento turístico …
(Publicado em “O Jornal Batista”, 04 jul 2004, p. 4).