Doc.JB-686
Rolando de Nassáu
Atendendo aos imperativos do mercado e da sociedade, atualmente a música-de-igreja, em certas congregações, é um prolongamento da música profana transmitida por certas emissoras de rádio. Nessas congregações, o canto é pretexto para imitação do comportamento observado nos palcos e platéias dos auditórios das redes de televisão. Nelas, o culto transforma-se em “show”.
Tendo conhecimento dessa tendência em certas igrejas, certos produtores fonográficos e de filmes de vídeo consideram muito necessário o cancelam ento da reflexão (por parte dos que pretendem prestar adoração a Deus), por ocasião da aquisição do louvor oferecido como mercadoria nos supermercados e nas lojas especializadas.
A mercantilização da música religiosa significa a capitulação do espírito diante da mercadoria. Alguns cantores e instrumentistas evangélicos começam suas carreiras em “shows” promovidos por igrejas, e são tentados a lançar um CD contendo música-de-entretenimento, mas sem propósito comercial. Mas logo capitulam diante do lucro rápido e fácil.
Outros, são logo atraídos para programas na televisão, apresentados por celebridades do “show business”.
Os produtores fonográficos, em certos casos, são negociantes (eles preferem ser chamados de “homens-de-negócios”, ou de “empresários”), que transformam os seus produtos numa necessidade; o canto religioso dos crentes precisa utilizar-se desses produtos, às vêzes vendidos à porta do templo, ao término do culto. A indústria fonográfica tolera o consumidor evangélico, na medida em que este aceite, passiva e incondicionalmente, os seus produtos. A indústria, por causa da padronização e produção em massa (exacerbadas pela globalização cultural), ao produzir um disco evangélico, não está preocupada com os anseios espirituais do consumidor. Este tem a liberdade de escolher o que é sempre a mesma coisa: música profana com letra religiosa.
Os produtores fonográficos mundanos servem-se da música profana, que será difundida, como se fosse religiosa, nos templos e nos lares. Para facilitar a penetração nesses ambientes, a mensagem evangélica é apresentada num estilo romântico. Evidentemente, o que entra de novidade nos ouvidos dos crentes é a nova melodia da música profana (daí a variedade de estilos, ritmos e instrumentos musicais), não a mensagem evangélica contida nas letras dos cânticos.
Os idealistas e os ingênuos sempre facilitaram o avanço dos bárbaros. Reduzir a comunidade evangélica a um mercado exige um processo intenso e sofisticado; é preciso secularizar esta comunidade, pelo refinamento dos meios de comunicação e de publicidade, de modo que ela confunda o que é sacro com o que é profano; assim, ela dará maior importância ao fato de ter produtos evangélicos (facilmente encontrados nas lojas e supermercados), sem a preocupação de ser evangélica.
Nesse processo, involuntária e inconscientemente, participa a imprensa evangélica (ela precisa de anunciantes daqueles produtos): censura, restringe ou impede que os puristas da música-de-igreja denunciem o mercantilismo de certos artistas evangélicos (e de certos pastores que os apoiam), ao mesmo tempo em que confunde os seus leitores quanto ao que seja a MÚSICA SACRA. Essa parte da imprensa evangélica reforça a ausência de pensamento crítico na maioria dos consumidores de música.
Quando os evangélicos chegarem ao ponto de erigir o pragmatismo em virtude, não necessitarão mais pensar na pureza da música-de-igreja. Quem quiser olhar a vitrine do mercantilismo musical evangélico, basta folhear as páginas de certas revistas.
(Publicado em “O Jornal Batista”, 05 dez 2004, p. 4).