No. 827 – Nós e os hinos – 04 set 16

//No. 827 – Nós e os hinos – 04 set 16

No. 827 – Nós e os hinos – 04 set 16

Doc.JB MÚSICA – No. 827

Rolando de Nassau

NÓS E OS HINOS

(Dedicado à leitora Elyette Sobral Feitosa de Britto, de Brasília)

As críticas e sugestões de nossos leitores são rece- bidas com a mais elevada audiência e consideração.

o nosso artigo “As quatro características de um hino” (ver: OJB, 03 jul 2016) uma antiga leitora sugeriu que, deixando de lado as informações hinológicas, nesse texto referentes aos hinos considerados exemplares, déssemos maior atenção aos aspectos práticos da vida cristã. Isto é, que deixássemos o elevado espaço aéreo da Hinologia e descessemos para o campo raso da Ética. Afinal, a Ética é um método de estudo coletivo e uma norma de conduta individual. Os hinos podem nos levar a um teste de nossa ética.

Em 1517, Martin Luther (1483-1546) deflagrou a Reforma Protestante; a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) devastaria economicamente e dividiria politicamente o país germânico. O efeito de um século de práticas protestantes sobre a moralidade alemã foi insignificante, pois continuaram a licenciosidade (sedução, poligamia, estupro, mentira, calúnia, feitiçaria), a brutalidade e a crueldade. A falta de ética individual prejudicou o bem-estar coletivo alemão, naquela guerra e no regime nazista. Os nazistas eram anticristãos, mas fingiam ser cristãos; estes fingiam ser nazistas; todos hipócritas!

Em 1675, Johann Jakob Schütz escreveu seu hino (HCC-50), no qual exigiu da igreja do seu tempo mais fidelidade e menos hipocrisia; na quinta estrofe diz: “Vós que de Cristo vos dizeis … se Seu poder reconheceis … aos falsos deuses renunciai”. Schütz sugeriu que as igrejas criassem reuniões de oração. Em tempos de crise, há constantes apelos às vigílias.

J.S.Bach, em sua cantata 179, “Vêde, que o vosso te-mor de Deus não seja hipócrita”, tratou magistralmente deste tema, pouco depois de ter chegado a Leipzig para tomar posse do cargo de ministro de música de igrejas luteranas dessa cidade alemã. Quanta coragem! O texto é austero e severo, baseado na parábola do fariseu e do publicano. O tenor solista reflete sobre a situação da Cristandade de seu tempo: “Muitos cristãos são como os de Laodicéia, ou como os fariseus. Aparentemente são tão piedosos, mas seus corações escondem sua vaidade orgulhosa. Eles vão à Casa de Deus e executam seus deveres. São cristãos? Os hipócritas fazem o mesmo. Que o publicano, em sua humildade, seja o vosso exemplo. Embora não sejais ladrões, nem adúlteros, não imagineis que sois anjos”.      Por sua vez, o hino de John Newton (HCC-226) tocou numadoutrina pouco observada pelas elites dirigentes da Inglaterra, a guarda do Dia do Senhor. A ética contemporânea inventa exceções e desculpas para a inobservância do Domingo, mas, certamente, os Protestantes aproveitam, também a seu bel-prazer, os feriados religiosos, como o Dia do Evangélico.

A  entrega do Dízimo é uma questão ética nas igrejas: deve ser feita regularmente pelos leigos, mas não pelos obreiros, pois estes alegam que trabalham nas atividades eclesiásticas.

Talvez seja um erro supor que Deus conta com os dízimos de alguns poucos fiéis membros da igreja (“estes são suficientes”) ou com os dízimos dos crentes ricos e dos empregados que ganham altos salários (“eles podem contribuir”).

Parece que àquele a quem Deus dá bens materiais e talentos intelectuais, este oferece menos retorno à causa do Evangelho. Se cada crente contribuísse, não haveria escassez de recursos humanos e financeiros para nenhum trabalho da igreja.

O HCC contém nove hinos (nos. 419, 420, 422, 423, 424, 426, 427, 429 e 430) sobre gratidão, mas, na maioria, são textos ingênuos e, de certa forma, românticos: 419 – “Graças dou por minha vida”, 420 – “De manhã, deixando o leito”, 422 –“Como agradecer a Jesus?”, 423 – “Agradeço a Ti, Senhor”, 424– “Saudamo-vos, Irmãos, em Cristo”, 426 – “Graças Te rendemos”, 427 – “Pelo lar que Tu nos deste”, 429 – “A Ti seja consagrada minha vida” e 430 – “O que darei a Cristo?”.

Os hinos que me comovem são os que tratam da gratidão pensada e realizada com atos concretos. Por exemplo, os hinos nos. 241 – “Aceita, agora, Senhor, meu Deus”, 243 – “Ó Deus, venho Te agradecer”, 244 – “Oh! trazei à casa do tesouro”,  246 – “Santuário somos nós” e 247 – “Vem nos ensinar, Senhor”, que tratam da dedicação de bens à Causa de Deus.

Os atos demonstram que Deus derrama bênçãos sobre os que continuam na prática do bem (Malaquias 3:10); podem ser exemplificados pela viúva J.S.Carroll e pelo empresário W.M.Jarman: ela, em 1913, doou 30 mil dólares para a compra de um terreno para a Casa Publicadora Batista; ele, em1958, doou 300 mil dólares para a construção do templo da Igreja Memorial Batista.

Certamente serão abençoados os crentes que afirmam: “de tudo o que tenho, que eu possa trazer o melhor, as missões sustentar e a minha igreja manter” (HCC-243); “o que sou eo que tenho eu dedico ao meu Senhor; minha vida eu entrego eos meus bens”(HCC-246); “vem nos ensinar, Senhor, a dar nossos bens” (HCC-247).

Alguns crentes, sempre preocupados em obter da igreja alguma vantagem, deveriam refletir quando cantam o hino“Oh, trazei à casa do tesouro, dízimos e ofertas com amor!” (HCC-244); pensem bem: vocês devem trazer, o ofertório não é ocasião para aproveitar algo da casa do tesouro!

O melhor hino é o de Jílton Moraes (HCC-241): todas as linhas das três estrofes falam da entrega a Deus de bens pessoais, sob o lema: “Melhor é dar do que receber”. Como pôde um crente batista, no decurso de tantos anos, cantar hinos do HCC (lançado em 1991), especialmente o de Jílton Moraes (HCC-241), pedindo que Deus aceite o seu dízimo, se durante aquele ano não contribuiu, nem com uma simples oferta?

Os cantores desses hinos estão, no mínimo, come-tendo grave deslize ético. Com muita razão, dizia Salomão Luiz Ginsburg: “O objetivo principal duma igreja de Cristo não é só batizar, ou cantar hinos” (ver: OJB, 30 junho 1910).

Como ousam cantar o hino de Isaac Watts, dirigido a Deus Pai: “sê nosso abrigo e protetor, agora e no porvir”? Quando algum crente assina uma nota promissória, dizendo que no futuro fará uma oferta para a igreja, está repetindo: “no porvir”.

Que temeridade, dizer que Deus é sábio, invisível, perfeito, imortal, que os anjos não podem mirar o Seu rosto, mas nós entoamos o Seu louvor (HCC-13), com tanta audácia!

Em todos esses hinos, devemos canta-los com muita reverência; no hino no.361, de Fanny Crosby, alguém pode chegar à máxima desfaçatez:  “Meu Senhor, sou teu, Tua voz ouvi, mas de Ti mais perto eu almejo estar”.

Se não repudiamos a hipocrisia, se não guardamos o Dia do Senhor, se não somos gratos a Deus em todas as circunstâncias, se não entregamos o Dízimo à igreja, se não reconhecemos os atributos divinos e não temos reverência na presença de Jesus, então não temos as condições éticas e espirituais para cantar os hinos de louvor e adoração.

Quando era menino, gostava de um hino de Stuart Edmund McNair (1862-1959), que dizia: “Não é bastante quando ajoelhamos que pareçamos a Deus orar; com nossas bocas sem-pre devia em harmonia nossa alma estar” (ver: William E. Entz-minger, Lyra Christã, no. 58. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1919).

Nós, eu e você, precisamos cantar com o coração (e-moção), mas também com a mente (razão).

Atualmente, muito do que não vale a pena ser dito, é cantado. Devemos cantar tudo o que signifique o nosso com-promisso com Deus; esta é a nossa atitude correta diante dos hinos. Brasília, DF, 06 de julho de 2016. Rolando de Nassau.

2018-02-24T11:20:41+00:00 By |Hinários, hinos, hinologia|