Doc.JB-688
Rolando de Nassáu
Devemos temer, não tanto a música profana, praticada no ambiente secular, mas a sua influência sobre a música-de-igreja e penetração na vida privada do crente. Devemos defender a pureza e ortodoxia da música-de-igreja (não confundida com música-de-entretenimento), evitando que se transforme em sal insípido.
O individualismo, numa civilização globalizada, abre caminho para o mercantilismo. O crente individualista ouve e compra a música que lhe agrada; não se importa se é profana. O mercantilismo, por isso, procura satisfazer o desejo-de-ter de cada indivíduo. Há músicos que querem desesperadamente atrair a atenção do povo evangélico, pouco interessados na verdadeira finalidade da música religiosa. Essa ambição é condicionada pelas leis do mercado (por isso, os que conseguem sucesso são os que se cercam de especialistas em “marketing” e “merchandising”), no tocante à composição, edição, interpretação e divulgação de música destinada aos evangélicos, enquanto eles ainda têm alguma identidade. Não tardará o dia em que esse “promissor mercado” será invadido pelos artistas mundanos !
É óbvio que a enorme produção musical evangélica pode ser consequência de um ativismo religioso, sem estar relacionado a um despertamento espiritual, toda vez que atende meramente a interesses mercantilistas e técnicas mercadológicas. O ativismo, por sua vez, é determinado pela crescente competitividade entre denominações, igrejas e indivíduos no campo musical. Esse ativismo chega ao ponto de acionar um “marketing” eclesiástico, que procura atrair pessoas com a realização ou promoção de eventos musicais; para tanto, inventa novas formas de louvor e fabrica novos modelos de adoração a Deus, sem limites à ousadia da imaginação. É conveniente inovar, para competir; é necessário competir, para atrair novos consumidores (“adoradores”) de música evangélica.
Nesses possíveis consumidores estão interessados não apenas os produtores, editores e intérpretes evangélicos, mas também os da indústria cultural, que, aliás, promove com mais eficiência e eficácia a música profana. Como se fosse um dragão estético, a indústria cultural abre espaço no “show business” (os negócios ligados ao entretenimento) aos artistas evangélicos, com o pérfido intuito de engolí-los.
É muito provável que os atuais sucessos da música dita evangélica tenham sido forjados por produtores e editores ímpios, em busca do lucro certo, fácil e rápido, obtido de um público dócil. O “marketing” decidirá como Deus será louvado nos lares e nas igrejas. A música “evangélica” está nas prateleiras das lojas, não para servir às igrejas, mas aos produtores e consumidores. A situação se agrava quando a produção musical evangélica é trazida para dentro das igrejas e realiza uma tarefa deletéria: fazer-se passar por sacra, quando, por sua origem e natureza, é substancialmente profana.
O consumismo, até mesmo dos crentes, é estimulado em direção à novidade e ousadia do produto musical, e não à transcendentalidade do seu conteúdo. O consumidor evangélico é manipulado por ímpios.
Certos músicos evangélicos, além de visarem exclusivamente o “vil metal”, na perseguição do sucesso e da popularidade no meio artístico, têm assumido valores e comportamentos que prejudicam sua fé e obnubilam seu testemunho; esquecem sua responsabilidade cristã.
Em 1988, uma revista promoveu um debate sobre música nas igrejas evangélicas do Brasil, com a participação de oito músicos, para discutir prioridades, mas alguns debatedores, mais interessados nos aspectos mercadológicos, preferiram discutir a questão da pesquisa de mercado, para dar ênfase à produção de discos evangélicos (ver: O JORNAL BATISTA, 12 fev 89, p.2). Prevaleceu essa prioridade; coincidentemente, nos últimos 15 anos, aconteceu a enxurrada de discos evangélicos com propósitos – mercantilistas !
(Publicado em “O Jornal Batista”, 06 fev 2005, p. 4).