Doc.JB – No.836 – MÚSICA
Rolando de Nassau
Os 50 anos do “Eclésia” e de Anna Campello
(Dedicado ao leitor Rogério Senna Dias, do Rio de Janeiro, RJ)
Pontualmente às 17 horas do sábado, 27 de maio, procurei entrar em conexão com o “site” da Primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro, para ver e ouvir a transmissão “ao vivo” do concerto comemorativo dos 50 anos do Coral “Eclésia” e de sua criadora e regente, Anna Campello Egger.
Existindo provisoriamente desde 1904, no pastorado de Francisco Fulgêncio Soren (ver: OJB, 20 jul 1904, p.1), o coro da PIB-RJ foi organizado em 06 de maio de 1915 (ver: OJB, 16 dez 1915, p.6) e reorganizado, no pastorado de João Filson Soren, sob o nome de Coral “Eclésia”, em 21 de março de 1967, por Anna (ver: “Dicionário de Música Evangélica”, p. 59).
O “Eclésia” foi o propósito e a conquista da vida de Anna Campello na paciente modulação de um coro de elite.
O concerto foi filmado e será exibido no acervo musical do “You Tube”.
No preâmbulo, o Irmão Eduardo Transcoveski, ministro de música, prestou informações sobre a música na PIB-RJ.
Depois do solene processional, acompanhado pelo órgão-de-tubos, na excelente execução de Domitila Ballesteros, o coro postou-se frente à plateia; eram umas 50 vozes bem dispostas para oferecer um repertório de altíssima qualidade técnica e artística.
Quando assumiu o pastorado, escrevemos que “a presença do pastor João Soares da Fonseca, entusiasmado hinógrafo e sóbrio dirigente de culto, no púlpito da PIB-RJ, é garantia de que será preservada e prestigiada a participação do “Eclésia” nesta nova fase da Igreja” (OJB, 04 mar 2007), o que se confirma com este concerto.
O programa foi iniciado com “Canto de Louvor” (“LobGesang”), sinfonia-cantata, opus 52, escrita por Felix Mendelssohn (1809-1847) para a celebração do 400º. aniversário da invenção da tipografia; a estreia ocorreu em 25 de junho de 1840 na igreja de São Tomé, em Leipzig (Alemanha). A abertura instrumental contém um terço da obra; a parte restante é uma cantata para vozes solistas e coro. “Proclamai o amor de Deus” (coro e tenor solista Gilberto Corrêa) e “Espero no Senhor” (sopra- nos solistas Lídia Santana e Loíde Mendonça) revelam a originalidade de Mendelssohn; a sinfonia do seu tempo era o resultado do desenvolvimento da antiga sinfonia, destinada à ópera. Se for comparado o “Canto de Louvor” à “Ode à Alegria”, de Beethoven, a obra de Mendelssohn fica em posição desvantajosa.
No oratório “Elias”, ele também deu caráter sinfônico à essa obra. Sempre achei que Mendelssohn era o compositor predileto de Anna. Agora, Rogério Senna Dias escreveu o livro “Eu nasci para louvar”, biografia em que ficamos sabendo que Anna conviveu na infância com indígenas numa região desértica; era uma criança muito sensível que sonhava com animais e procurava conversar com Deus. O profeta Elias viveu no deserto, alimentado por corvos; subiu ao Céu em triunfo num carro de fogo. Elias foi um dos vultos mais românticos da Bíblia: sua coragem e seu zêlo prepararam-no para o fulgor de suas vitórias e o patético dos seus momentos de desânimo. Talvez Anna tenha o seu carro de fogo!
Por falar em tristeza, logo em seguida o “Eclésia” executou “Cristo jaz, prêso pelos laços da morte” (“Christ lag in Todesbanden”), cantata BWV-4, baseada num hino de Lutero para o primeiro domingo da Páscoa.
A recompensa é trazida por J.S.Bach num trecho do “Oratório de Natal” (“Weihnachts Oratorium”), BWV-248, que celebra o nascimento de Jesus. Os trechos foram competentemente interpretados pelo “Eclésia”, na tristeza como na alegria.
Muito boa a versão dada a “Toda vez que eu sinto o Espírito” (“Every time I feel the Spirit”), cantada em inglês, por Ezequiel Decotelli, com acompanhamento vivaz pelo piano; foi divulgada nos EUA por Jester Hairston (1901-2000).
Para concluir a primeira parte do concerto, do oratório “Elias”, op.70 (1846), de Mendelssohn, foi executado o coro “O Senhor passou” (“Der Herr ging vorüber”); numa visão apocalíptica, o vento, o terremoto e o fogo; as variações instrumentais foram percebidas pelas solistas sopranos Lídia Santana e Kátia Lopes, e o baixo Rogério Senna Dias.
Na maturidade artística, a regente compreendeu a necessidade de preservar a sanidade vocal dos coristas, concedendo-lhes um grande intervalo e menores pausas de descanso.
Na segunda parte, tivemos o primeiro dos hinos de coroação: “Zadoque, o sacerdote” (“Zadok, the priest”), HWV- 258, no qual G.F.Haendel evoca a sagração de Salomão, em cinco minutos de canto jubiloso.
Depois, extraído do oratório “Messias”, HWV-56, o trecho no. 47, “Digno é o Cordeiro” (“Worthy is the Lamb”), que, mesmo sem trompetes e timbales, o “Eclésia” conseguiu o louvor excelso pretendido por Haendel. O “Amém” serve de grandiosa conclusão do oratório.
Outra boa interpretação masculina foi a de Orizomaldo José dos Santos, no “Aleluia, Amem”.
Atuaram com muita propriedade as organistas Domitila Ballesteros e Regina Lacerda, e o organista Ilem Vargas, conferindo uso condigno ao maravilhoso órgão-de-tubos, e a pianista Isabel Cristina, sublinhando acertadamente as passagens mais significativas das partituras.
Este foi o melhor concerto do “Eclésia”, que demonstrou ter chegado a um alto nível de preparo integral: antes e durante o concerto tinha consciência das obras a executar; disciplinado, estava bem ensaiado e bem alerta; enfim, era um coro com estilo! (OJB, 06 jul 2014).
Às 17h20m, ao iniciar-se o concerto, talvez tenha passado pela mente de alguém, vendo o coro preparar-se para sua tremenda tarefa de cantar no seu 50º. aniversário, este co- mentário: este é o marco do seu ocaso.
Mas, duas horas depois, findo o concerto, certamente ele pensou: este foi o marco do seu novo alvorecer!
Rolando de Nassau. Brasília, DF, 28 de maio de 2017.