Nº. 728 – Gosto Musical (1) – 04 mai 2008, p. 4

//Nº. 728 – Gosto Musical (1) – 04 mai 2008, p. 4

Nº. 728 – Gosto Musical (1) – 04 mai 2008, p. 4

 

Doc.JB-728

Gosto musical (1)

Rolando de Nassáu

(Dedicado ao leitor José Almeida Guimarães, do Recife, PE)

O gosto musical do ser humano começa no ventre materno. Passadas 12 semanas, o feto tem um sistema auditivo funcionando completamente e é capaz de ouvir música através do fluído amniótico. Com 12 meses de idade, a criança demonstra clara preferência pela música que ouviu quando estava no útero. A propósito, lembramos que, no segundo semestre de 2003, promovido pela UFRGS, Esther Beyer ministrou um curso de música para bebês.

Até a idade de oito anos, a criança absorve qualquer música que ela ouve, durante o tempo quando o cérebro está trabalhando para realizar novas conexões. Na infância, ocorrem períodos críticos para a aquisição da linguagem e da audição musical; quando a criança ouve música, são desenvolvidos sistemas neurais para captar as regularidades estruturais e tonais da música.

Aos oito anos de idade, o gosto musical começa a selecionar entre os gêneros musicais; aos 12, a música passa a servir como uma função de identificação da criança no meio social; esta é a espécie de música que as pessoas gostam que a criança ouça; é a música orientada por determinada noção (ver: LEVITIN, Daniel. “This Is Your Brain on Music”. New York: Dutton/Penguin, 2006).

Na adolescência, o gosto musical é alterado pela música que os amigos ouvem. O psicólogo britânico Adrian North, pesquisador da University of Leicester, afirma que nosso gosto musical torna-se menos firme entre os 16 e os 24 anos de idade; à medida que entramos na juventude e amadurecemos, nosso gosto musical deve tornar-se mais sofisticado; entretanto, é muito raro encontrar alguém que ama ouvir Britney Spears, Lindsay Lohan e outras cantoras populares, e instataneamente mudar para Beethoven e Brahms … (ver: NORTH, Adrian. “Music and Social Psychology. Oxford: Oxford University Press).

O gosto musical pode ser influenciado pelos colegas e companheiros de trabalho. A opinião do grupo tem poder para influir nas escolhas; isto significa que pessoas que visitaram um “site” na Internet à procura de novas músicas dão preferência às que são “downloaded” (baixadas) com maior freqüência. O sociólogo Matthew Salganik liderou estudantes da Columbia University, em Nova York, para entrevistar 14 mil pessoas; a elas foi solicitado visitar um “site” que sugeria 48 canções; elas poderiam ouvir as canções e dar-lhes notas de avaliação; depois eram divididas em grupos, onde poderiam somente ler os resultados da avaliação.

Surpreendentemente, uma canção muito votada num grupo, estava entre as menos votadas num outro grupo; mas quando se reuniam para avaliar as músicas, os diferentes grupos concordavam na avaliação; ficou demonstrado que os executivos das gravadoras podem “fabricar” astros e estrelas do CD e do DVD. O sucesso não depende da qualidade da música e a música de alta qualidade pode não ter lugar nas “hit parades” (paradas de sucesso). Para ter sucesso, algumas bandas e cantores de música popular confiam no apoio “on line” dado por “websites” influentes nos EUA e no Reino Unido (ver: SALGANIK, Matthew. “Experimental Study of Inequality and Unpredictability in an Artificial Cultural Market”. “Science Magazine”, 10 feb 2006, pp. 854-856).

O gosto musical do adulto tem origem no tipo de música que ele ouviu entre os 12 e os 24 anos de idade. Em alguns casos, mediante esforço pessoal, o adulto pode expandir a sua área de escolha musical. Mas, se ele teve gosto relativamente estreito e limitado, essa expansão é mais difícil de acontecer, por causa da falta de condições culturais e econômicas apropriadas, indispensáveis ao entendimento de novas formas musicais.

A expressão “gosto musical” refere-se mais à música erudita européia do que qualquer outro tipo de música; ainda menos às formas populares.

Qual é a base de nosso gosto musical? A música propriamente dita, a estética,o ambiente social ou cultural em que vivemos?

No século 19, o uso da palavra “música” pelos escritores eruditos significava a música erudita européia. Essa música tornou-se o padrão pelo qual todas as outras espécies de música devem ser avaliadas. Por isso, o folclore e outras manifestações não eram consideradas partes da música.

Atualmente, os estudos musicológicos, psicológicos e filosóficos do gosto musical levam em conta uma grande variedade de tipos de música.

No século 19, era incomum alguém ouvir, numa sala de concertos, mais de umas poucas vezes uma sinfonia de Beethoven ou uma ópera de Mozart.

Era mais fácil ouvir as valsas vienenses dos Strauss nos salões de dança. A vida musical era dominada pela valsa, que transformou os ouvintes de música menos capazes de um esforço intelectual. (ver: HANSLICK, Eduard.

“Vom Musikalisch Schönen: Ein Beitrag zur Revision der Ästhetik der Tonkunst”, 1854; “Do Belo Musical”. Campinas: UNICAMP, 1989; “Musikalisch Kritik”, 1846-1899). A respeito dessa música dançante, o compositor austríaco Arnold Schoenberg disse: “Se é arte, não é para toda gente. Se é para todos os amantes da dança, não é arte”. Naquele tempo, o crítico Ruskin já dizia: “Dize-me de que gostas, e dir-te-ei o que és” (embora ouvir música obviamente não era parte da rotina diária de uma pessoa), como que exigindo de seu contemporâneo o cultivo do gosto.

No século 20, o rádio e as gravações sonoras, que tiveram contínuo desenvolvimento tecnológico e crescente popularidade, tornaram-se, desde a década de 60, um fator decisivo na expansão da audiência musical. Atualmente, as pessoas podem ouvir todos os tipos de música, a qualquer hora e em qualquer lugar, procedentes de todas as partes do mundo. Esta nova situação cria um impacto sobre a audição e apreciação de música, acarretando distorções no gosto musical.

Agora, é incomum alguém ouvir e apreciar apenas um único tipo de música. Nos logradouros públicos, não podemos fechar os ouvidos para não ouvir todo tipo de música. Não deixa de ser uma oportunidade para conhecer outros gêneros musicais e apurar o gosto musical. Entretanto, muitas pessoas não estão preocupadas em refinar as suas escolhas musicais.

Para as pessoas cultas, a erudita é “a música”; para os adolescentes, a popular é a única música a ser ouvida.

O gosto musical é baseado na identificação da pessoa com uma representação cultural e social específica, nas crenças e nos valores em que ela se apóia. “Rap” é um estilo musical que representa uma expressão da situação social da juventude americana negra. Há pessoas que gostam do “rap”, mas não sabem qual a sua origem e significação … Elas deveriam identificar-se com os valores que definem essa música, para serem coerentes.

Quando o tipo de música ou o instrumento musical preferido por alguém é criticado, essa pessoa considera-se ofendida pela crítica. Isto ocorre porque o gosto musical dessa pessoa não está sendo desenvolvido. Às vezes, essa pessoa é musicista, mas, frente à crítica, comporta-se como um aficionado; crê que “possui” o estilo e o instrumento; com efeito, ela “possui” apenas uma identificação com eles ((ver: FRITH, Simon. “Performing Rites: On the Value of Popular Music”, 1996).

 

(Publicado em “O Jornal Batista”, 04 mai 08, p. 4).

 

2018-02-21T14:05:41+00:00 By |Formas e estilos musicais|