Doc.JB-722
Rolando de Nassáu
(Dedicado ao leitor Eugênio Gall, do Rio de Janeiro, RJ)
Alguns escritores (inclusive evangélicos) dizem que Lutero usou as canções populares das tabernas da Alemanha para ensinar o povo a cantar; eles e seus discípulos cometem quatro erros.
Obviamente, as suas afirmações servem para apoiar a música contemporânea de algumas igrejas evangélicas (a chamada “Contemporary Christian Music”), baseada na mistura de música popular (principalmente “rock”) e letra religiosa, que surgiu, na década de 70, nos Estados Unidos da América.
Um dos indigitados hinos de Lutero (“Hinário Luterano”, no. 165; “Hinário Evangélico”, no. 206; “Novo Cântico”, no. 155; “Cantai Todos os Povos”, no. 409; “Salmos e Hinos”, no. 640; “Cantor Cristão”, no. 323; “Hinário para o Culto Cristão”, no. 406; “Harpa Cristã”, no. 423), “Castelo forte é o nosso Deus” é uma paráfrase do Salmo 46 e sua melodia foi influenciada pela estética gregoriana (ver: Paul Huot-Pleuroux, Histoire de la Musique Religieuse. Paris: Presses Universitaires deFrance, 1957). Entretanto, alguém escreveu, para validar o uso de música profanapopular na igreja, que a música deste hino “é emprestada de uma canção popularcantada nos bares de sua época” (ver: “Uma igreja com propósitos”, pág. 341).
Os que apóiam as afirmações acima transcritas argumentam que Lutero teria dito: “Por que o Diabo deveria ter todas as belas melodias?” Provavelmente, Lutero estaria falando a respeito da música da Igreja Católica, tal era sua aversão ao Papismo. Além disso, eles consideram que a música é inofensiva, se a letra é cristã, desde que a melodia possa atrair pessoas mundanas ao templo.
Pesquisamos conceituadas obras, que refutam essas balelas. Encontramos nos argumentos acolhidos em Saddleback quatro erros:
PRIMEIRO – o hino de Lutero seria uma canção de taberna; Lutero compôs a letra e a melodia; ele trabalhou com os músicos Johann Walther e Conrad Rupff; somente uma peça a princípio foi baseada numa melodia secular – uma canção folclórica – o hino natalino “Vom Himmel Hoch”, substituída em 1551 (ver: Paul Nettl, Luther and Music. Philadelphia: Muhlenberg Press, 1948, p. 48).
Lutero era cuidadoso na escolha da música para a Igreja; unia teologia e música; a melodia de “Castelo forte” foi certamente composta por ele; é uma das melhores peças hinódicas em que existe perfeita unidade entre o texto e a melodia (ver: Friedrich Blume, Protestant Church Music. London: Victor Gollancz, 1975).
Ele mesmo escreveu: “Depois da teologia, dou à música o mais alto lugar e a mais alta honra”; “queria afastar os jovens das canções românticas e sensuais”; “desejo evitar as expressões da moda”. Lutero alterava o ritmo para adaptar a melodia à letra. O equívoco está em confundir “canção de bar” (“bar song”) com “barra de compasso” (“bar form”). O famoso hino lembrava melodias do Canto Gregoriano (ver: Albert Schweitzer, J. S. Bach. New York: Dover, 1966; Neptune City, NJ: Paganiniana, 1980).
SEGUNDO – acreditam que Lutero falava a respeito da música popular, que, aliás, não existia em sua época; “pop music” é um fenômeno do século 20; a música popular não era produzida em massa. Em 1972, no início do “Jesus Movement”, Larry Norman em sua canção dizia: “Jesus is the rock” (Jesus é o rock), por isso cognominado “Gospel Rock”; desde então, o culto nas igrejas protestantes e evangélicas tem sido profanizado; Larry Norman queria cânticos que tivessem a batida da bateria e que mexessem os pés do cantor; considerava os hinos como “marchas funerárias”; em lugar da hinodia, queria coreografia; em lugar de hinos com letras racionais, cânticos de forte carga emocional, insuflada pela guitarra.
TERCEIRO – há equívoco em atribuir a frase a Lutero; teria sido proferida por William Booth ou Rowland Hill (ver: Helen Hosier, William and Catherine Booth, Uhrichsville, OH: Barbour, 1999; Oxford Dictionary of Quotations. New York: Oxford Press, 1979). Lutero não traria canções de bares para dentro dos templos. Lutero referia-se ao papa como “o Diabo”. Ele certamente recomendaria peças dos grandes compositores eruditos de sua época.
QUARTO – acreditam que juntar letra religiosa a uma melodia profana é suficiente para ter um cântico digno de ser usado no culto; sabemos que texto e música devem ser compatíveis. Leonard Payton (ver: Reforming Our Worship Music. Wheaton, IL: Crossway, 1999) ressaltou o fato, observado nas igrejas contemporâneas, de que a música profana comunica explosões de alegria para a maioria das pessoas; mas o culto não é momento para diversão da congregação (ver: Roberto Torres Hollanda, Culto – Celebração e Devoção. Rio de Janeiro: JUERP, 2007). O cultuante educado deve saber reconhecer uma boa forma musical, que tenha conteúdo espiritual; deve saber discernir entre o sacro e o profano.
A missão educativa do ministro de música será exercida se ele tiver entendimento da teologia do culto cristão e for um guardião da pureza da música. A missão será possível, se as congregações e os pastores prestigiarem os ministros de música que se esforçam pela pureza da execução musical na igreja; será impossível, se os líderes divulgarem boatos a respeito da música de Lutero e de outros hinógrafos, ou noções que facilitem a entrada da música mundana em nossas igrejas.
(Publicado em “O Jornal Batista”, 05 out 08, p. 4).