Música – Nº. 621
Rolando de Nassáu
Em fins de 1912, gravou o Coro da Igreja Evangélica Fluminense, no Rio de Janeiro, alguns hinos, em seis discos de dez polegadas, com 78 rotações por minuto. Na “Discografia Brasileira” está registrado um disco, com o hino “Pendão real”; este é o mais antigo disco evangélico gravado no Brasil.
Num período de 50 anos (1912-1962), foram comercialmente gravados no Brasil apenas 22 discos evangélicos (ver: “No tempo do gramofone … “, O JORNAL BATISTA, 17 mar 85, pp. 2 e 11).
Produzido por Dorotéa Kerr, com a participação de coros de sete igrejas e os corais evangélicos de São Paulo e de Piracicaba, acompanhados pela Orquestra “Jahn Sorheim” e pelo organista Nélson Silva, sob a regência de Gilberto Massambani, recentemente foi lançado o CD “Hinos da nossa História”, gravado na Catedral Evangélica paulistana.
São lembrados hinos que foram cantados por protestantes e evangélicos nos 500 anos da história do Brasil, e que constam do “Hinário Evangélico” (HE) ou do “Hinário para o Culto Cristão” (HCC).
“Do fundo de um abismo” (HE-254), “Aus tiefer Not”, coral de M. Luther, extraído do hinário de Wittenberg (1524), foi entoado por Hans Staden, em 1549, entre os indígenas tupinambás, no litoral paulista, sendo o primeiro hino luterano a ser cantado no Brasil e na América do Sul. O órgão, na introdução, dá o tom sombrio, confirmado pelas vozes masculinas, enquanto as femininas atenuam o lamento.
“À minha voz, ó Deus, atende!” (HE-93), “Aux paroles que jê veux dire”, salmo metrificado de C. Marot e L. Bourgeois, extraído do saltério de Genebra (1551), foi cantado no Rio de Janeiro, em 10 de março de 1557, no primeiro culto evangélico realizado por calvinistas no Brasil. O coro expressa bem sua súplica.
“Louvores a Deus” (HE-132), coral em 1597 escrito na língua holandesa (“Wilt heden nu treden”) por A. Valerius, depois traduzido para a alemã (“Wir treten zum beten”), para celebrar as vitórias de Maurício de Nassáu sobre a Espanha, foi cantado, em 1640, em Pernambuco, festejando a vitória sobre os portugueses; este hino em ação de graças tinha sido incluído em 1626 na coletânea “Nederlandtsche Gedenck Clanck” (canções holandesas de gratidão). A música é grandiosa, no acompanhamento pelo órgão, para um canto coral portentoso. Por isso, o melhor trecho da gravação.
“Santo! Santo! Santo!” (HE-104, HCC-2) refletiu, pouco antes da era vitoriana, a preocupação de R. Heber e J. B. Dykes em elaborar um hino de alto nível literário e musical. Dykes iniciou o movimento de expressão emocional na música-de-igreja inglesa. Gilberto Massambani e Nélson Silva dão o devido tratamento sinfônico ao hino, cantado pelo coro com a majestade exigida pela letra.
“Saudai o nome de Jesus” (HE-130, HCC-56), hino de E. Perronet e J. Ellor, publicado em 1779 no “Gospel Magazine”, recebeu três músicas diferentes, das quais a mais recente (1838) é a executada na gravação. Contemporânea e imitadora de Dykes, a música de Ellor é grandiloqüente; agradou o gosto musical da época, o que ainda ocorre no meio evangélico, contradizendo as opiniões dos que desprezam a hinodia.
Em 1866, ao escrever a letra do hino “Da Igreja o fundamento é Cristo” (HE-205, HCC-504), S. J. Stone procurou defender a doutrina da Igreja da Inglaterra. O órgão e os trompetes (música de S. S. Wesley) retratam a magnificência da liturgia anglicana.
“Mestre, o mar se revolta” (HE-342, HCC-408), de M. A. Baker e H. R. Palmer, é um hino em que os regentes dão um toque musical realista à letra. Gilberto Massambani procurou resistir à tentação do óbvio.
E. P. Stites em 1876 escreveu o hino “Na terra abençoada estou” (HE-457, CC-481), musicado por J. R. Sweney, expressando suas experiências nos contatos com diversos lugares e diferentes pessoas; é uma balada americana, inspirada pelo otimismo cívico da época.
Quando escreveu o hino “Deus vos guarde” (HE498, HCC-37), J. E. Rankin era pastor de uma grande igreja na capital americana, freqüentada por congressistas e juízes federais; neste hino, Rankin revela seu perfil pastoral.
Os coristas assimilaram bem o sentido do hino.
D. W. Whittle e J. McGranahan elaboraram, em 1887, o hino “Um pendão real” (HE-406, CC-469). Whittle participou ativamente da Guerra de Secessão e seu gênio militar transparece neste hino marcial. As vozes masculinas cantam as estrofes; as femininas, o estribilho, como que para incentivá-los à luta …
“Vencendo vem Jesus” (HE-312, HCC-153), de J. W. Howe (1861), e “Da linda pátria estou mui longe” (HE-453, CC-484), de J. H. Nelson (1891), usando melodias da época da Guerra Civil, são exemplos de hinos com ambientação folclórica americana; a balada de Foster é interpretada com leveza, pelas vozes e pelos instrumentos.
Quatro “gospel hymns”, escritos entre 1880 e 1910 (as três décadas em que esse tipo primitivo de “gospel” gozou de ampla popularidade nos EUA e no Brasil) são cantados: 1) “Manso e suave” (HE-231, CC-222), as vozes femininas são persuasivas; 2) “Chuvas de bênçãos” (HE-327, HCC-337), tem um apelo popular em seu elemento rítmico; 3) “Se da vida as vagas procelosas são” (HE 338, HCC-444), no fim do século XIX atendeu à natureza irrequieta dos jovens; era o “gospel” balançado; 4) “Jesus, Senhor, me chego a Ti!” (HE-245, CC-270), as vozes masculinas mostram-se incisivas.
Se o coro e a orquestra tivessem falhado no “Aleluia”, de Haendel, no fim da gravação, estariam perdoados pelo bom desempenho no canto de 16 hinos.
Louvável o esforço de manter o patrimônio hinódico dos evangélicos no Brasil. Se forem destruídos, neste século 21, todos os hinários e todas as gravações de hinos, mas se permanecer intacto este CD, as futuras gerações poderão saber como e o que cantavam os evangélicos brasileiros. Não hesitamos em afirmar que esta é a gravação definitiva, representativa e a de melhor qualidade feita no século 20. Recomendamos este CD excepcional, que honra a discografia evangélica brasileira.
(Publicado em “O Jornal Batista”, 12 de março de 2001, p. 7).