Nº. 660 – Eclésia na Sala Cecília Meireles – 19 ago 2002, p. 4

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Nº. 660 – Eclésia na Sala Cecília Meireles – 19 ago 2002, p. 4

 

Música – Nº. 660

“Eclésia” na Sala “Cecília Meireles”

Rolando de Nassáu

À noite da quinta-feira, 21 de março, o Coral “Eclésia” apresentou-se na Sala “Cecília Meireles”, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), com o apoio da Secretaria de Cultura e da Fundação de Artes do Estado do Rio de Janeiro (FUNARJ).

A Sala “Cecília Meireles” (Largo da Lapa), com capacidade para 800 pessoas sentadas, depois do Teatro Municipal, é a mais prestigiosa sala-de-concertos.

O concerto do “Eclésia”serviu para mostrar ao público carioca o que há de mais refinado na cultura musical batista.

 

A gravação

 

Em julho de 1997, no Salão “Leopoldo Miguez” da Escola de Música da UFRJ, foi gravado em CD um concerto do “Eclésia”, com peças de Haendel, Mozart, Mendelssohn, Brahms, Pitoni, Malotte, Hairston, Blankenship e Egger.

Neste segundo concerto, gravado “ao vivo” e lançado no culto dominical matutino de 07 de julho de 2002, o CD já pode ser considerado a mais importante gravação realizada nos últimos 50 anos por um coro de igreja batista no Brasil.

A capa, muito modesta, em preto e branco, não revela a riqueza de conteúdo do CD. Teria onerado a produção, mas o CD merecia um encarte contendo notas elucidativas do programa.

Por não ter havido uma cuidadosa revisão, a contracapa do CD exige algumas correções: 1) a missa em ré menor, de Haydn, é a missa “In angustiis”, também conhecida como missa “Nelson”; 2) o oratório, de Haydn, é “Elias”; 3) o “Pai Nosso”, é de Malotte”; 4) o moteto de Bach é “Cantai ao Senhor um novo cântico”; 5) a cantata BWV-4, de Bach, é “Cristo jaz nos laços da morte”; 6) o antema, de Haendel, é “Zadoque, o sacerdote”.

Este CD enriquecerá a discoteca de qualquer pessoa de fino gosto.

 

O coro

 

O da Primeira Igreja é o mais antigo coro de igreja batista na Cidade do Rio de Janeiro; existe desde 1904, pelo menos; em 14 de julho desse ano, cantou na solenidade comemorativa do aniversário do lançamento da pedra fundamental do edifício do Hospital Evangélico Fluminense, no Rio de Janeiro (ver: OJB, 20 jul 1904, p.1).

Em 06 de maio de 1915, foi organizado, sendo regente Daniel Cordes. Reorganizado, com o nome de Coral “Eclésia”, em 1967 assumiu a regência Anna Campello Egger (ver: “Nassau – Dicionário de Música Evangélica”, p.59).

Para comemorar o fato raro de 35 anos de regência (1967-2002), realizou-se este importante concerto.

 

Os instrumentistas e intérpretes

 

Atuaram Domitila Ballesteros (organista e pianista), Regina Lacerda (organista) e Ângelo Dell’Orto (violinista), que são bem conceituados recitalistas e concertistas no meio musical brasileiro. Supriram com eficiência a falta de uma orquestra ou, pelo menos, de outros instrumentos, de cordas e de sopro.

O barítono Rogério Senna Dias, os tenores Gilberto Correia da Silva, Paulo Moreira e Bruno Egger, e a soprano Lia de Andrade Lima foram os solistas das difíceis partes vocais das peças apresentadas.

Anna Campello Egger enfrentou com coragem os muitos desafios de reger obras eruditas; de certo modo, com familiaridade, pois não é somente em concertos, mas também nos cultos dominicais da Primeira Igreja, que prefere a música religiosa de maior envergadura.

 

O programa

 

Trata-se de um programa de altíssimo nível técnico e artístico, com as seguintes peças: 1) “Singt dem Herren alle Stimmen!”, do oratório “Die Schoepfung” (H-22-13), de Franz Joseph Haydn (1732-1809); 2) “Kyrie eleison”, da missa “In angustiis” (H-22-11), de Haydn; 3) “Dies irae”, do “Requiem” (KV-626), de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791); 4) recitativo “Herr, es wird Nacht um mich” e coro “Der Herrging voruber”, do oratório “Elia” (opus 70), de Felix Mendelssohn Bartholdy (1809-1847); 5) “Our Father”, de Albert Hay Malotte (1895-1964); 6) “Hallelujah!, Lord! I been down into the sea”, de J.Rosamond Johnson (1873-1954); 7) “Alles was Odem hat, lobe den Herrn, Hallelujah!”, do moteto “Singet dem Herrn ein neues lied” (BWV-225), de Johann Sebastian Bach (1685-1750); 8) “Christ lag in Todes banden” (BWV-4), de Bach; 9) “Zadok, the priest” (HWV-258), de Georg Friedrich Haendel (1650-1759); 10) “Worthy is the Lamb” e “Amen”, do oratório “Messiah” (HWV-56), de Haendel; 11) “Hallelujah!”, do “Messiah”, de Haendel.

Excetuadas as cantadas em latim (“Kyrie eleison”, de Haydn, e “Dies irae”, de Mozart), as outras peças usaram traduções das versões em inglês feitas por Joan Larie Sutton e João Wilson Faustini.

 

A execução

 

Na primeira peça, o interesse está todo no coro. “Cantemos todos ao Senhor” (Haydn), de caráter hinódico, finaliza o oratório.

Os solistas são anônimos: não se trata mais de arcanjos, Adão ou Eva; na história da Criação, surgem membros de uma comunidade.

Haydn deve ter passado pela dificuldade de comunicar o significado específico das palavras, pois estava musicando um texto, originalmente escrito em inglês, e ainda estava influenciado pelo estilo sinfônico; sua experiência na sinfonia permitiu-lhe reinterpretar a forma do oratório (ver: Richard L.Crocker, A History of Musical Style. New York: Dover, 1986).

Na missa (Haydn), a relação da voz solista com o coro entra numa região de luz e sombra. A voz da soprano Lia Lima, numa tessitura peculiar, vai do som ácido ao lancinante, para expressar a angústia da obra.

No “Dies irae” (Mozart), o coro deve explodir, ao anunciar o Juízo Final, pois ocorrem o terror humano e a cólera divina.

No oratório (Mendelssohn), o recitativo, cantado pelo barítono (Elias) e pela soprano (Anjo), precede o coro “Eis que passava o Senhor”, quando a música, depois de descrever o vento, o terremoto e o fogo, cede a vez a uma suave voz.

O hino “Pai Nosso”, composto em 1935 por Malotte, somente na década de 70 tornou-se conhecido no Brasil. O tenor Paulo Moreira deixou para o coro a dose maior de unção.

No “spiritual”, cantado na adaptação feita por Robert de Cormier, encontramos uma fórmula simples, originada nas canções africanas, a da afirmação e resposta. O tenor Gilberto Correia da Silva é o líder, cuja voz ressoa no coro, que deve produzir o efeito sonoro das ondas do mar.

“Tudo que vive, exalte ao Senhor” é uma alegre fuga a quatro vozes, que finaliza o moteto bachiano.

“Jesus por nós cativo” é um coro de cantata fúnebre, que varia sobre texto de Martin Luther, insistindo sobre as palavras “Todes banden” (laços da morte).

“Zadoque, o sacerdote” é um antema, composto por Haendel para a coroação de George II em 1727 na abadia de Westminster; a tradução não é fiel, mas a música desde o início é majestosa.

Em “Digno é o Cordeiro” aproxima-se a conclusão do célebre oratório de Haendel: um longo coro, quando trompetes (lamentávelmente não participaram do concerto) sobressaem, e um “Amém”, tratado em estilo contrapontístico. O concerto terminou com o indefectível “Aleluia”.

O “Eclésia”, nos últimos 35 anos, tem procurado a execução musical de alta qualidade. Neste concerto, a execução atingiu um nível excelente.

 

(Publicado em “O Jornal Batista”, 19 ago 2002, p. 4).

 

2018-02-21T14:10:17+00:00 By |Gravações|