A gratidão traída
A editora “Boas Novas”, de São Bernardo do Campo (SP), lançou seu 12º. elepê, intitulado “Gratidão”. É o sétimo de Luiz de Carvalho, numa coleção da qual participam o organista Harry Bollback, o tenor Edgar Martins e o pregador Rubens Lopes. Desta vez, Luiz de Carvalho canta com a colaboracão de Marta de Carvalho, Débora Vasconcelos, David e Beatriz, o conjunto vocal “Inspiração”, um trio e o conjunto instrumental “Boas Novas”.
O repertório é constituído de hinos do “Cantor Cristão”, de “Coros Sacros”, de Débora Vasconcelos, e David e Beatriz, arranjados por Luiz de Carvalho. O propósito de Luiz de Carvalho é agradecer a Deus, através da música. Um propósito simpático e louvável.
Na 1ª. faixa, ouvimos “Santo, Santo, Santo”, hino de J. G. Rocha e J. B. Dykes, cantado por Luiz de Carvalho, com um acompanhamento instrumental inadequado à solenidade do tema.
Já na 2ª. faixa, os instrumentos e as vozes não ofendem tanto a letra do hino “Meu canto celestial”, de R. Pitrowsky e S. W. Beazley, em solo de Luiz de Carvalho, aliás, o melhor desta parte do disco.
A famosa melodia “Finlândia”, de J. Sibelius, que muita gente pensa tratar-se de peça da música sacra, é cantada por Luiz de Carvalho (cuja voz lembra a de Vicente Celestino), com uma letra de A. Lakschevitz, “Espera em Deus”, que é recitada por Marta de Carvalho.
Em seguida, ouvimos, na voz quente de Débora Vasconcelos, sua letra “Viver por Cristo”, com música de A. C. Adam, que na capa do disco é apresentada como sendo de Luiz de Carvalho! Trata-se do famoso “Meia-noite, cristãos!”. Segundo a professora Henriqueta Rosa Fernandes Braga (“Cânticos do Natal”, pág. 71), Adam deixou produções sacras em que prevalece o cunho profano, peculiar ao autor.
Na 5ª. faixa, David e Beatriz (?) cantam “Entregando nossas vidas”, com acompanhamento de violão, uma modinha evidentemente inspirada na musica popularesca.
Concluindo o 1º. lado do disco, Luiz de Carvalho e conjunto vocal, introduzidos por um piano tocado em estilo “café-concerto”, e acompanhados por um acordeão valsante, cantam “Confiança no Senhor”. Nesta face “A” do disco “Gratidão”, é apenas aceitável o solo de Luiz de Carvalho em “Meu canto celestial”; as demais faixas pecam pelo mau gosto dos acompanhamentos instrumentais ou pela impostura das letras.
Na face “B”, ouvimos: 1) o hino “Deixa ali”, de A. Muirhead, num solo de Luiz de Carvalho, seguido de vozes femininas, com acompanhamento instrumental em estilo havaiano; 2) “Talvez uns cantem”, mais um solo de Luiz de Carvalho, por sinal bom; 3) “Seguindo a Cristo”, dueto de Luiz e Marta de Carvalho, acompanhados por um piano irreverente, tocado no estilo (ultrapassado) de Muraro; 4) “Qual é teu refúgio?”, de S. L. Ginsburg e S. S. Vail, com Luiz de Carvalho e vozes femininas, que parecem estar cantando a “História da baratinha” …; 5) “Amparo”, de M. A. de Souza e S. W. Beazley, quando Luiz de Carvalho canta e recita acompanhado pelo órgão, é a melhor faixa do disco; 6) “Meu barquinho”, solo de Luiz de Carvalho prejudicado pelo acordeão e piano.
Em resumo: gostamos de quase todas as faixas de que Luiz de Carvalho participa, mas censuramos o ambiente de profanidade criado pelos instrumentos, que usam os mais banais estilos da música popularesca, tirando das letras a sua seriedade. Por isso é que damos “bola preta” para o conjunto instrumental “Boas Novas” …
A editora e o cantor devem ter mais cuidado na escolha dos acompanhistas, a fim de que letras inspiradas em temas sacros e sérios não sejam cantadas com melodias profanas e levianas.
Como vimos, a “Gratidão” de Luiz de Carvalho foi traída pelos foles e pelas cordas …
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(Escrito em Brasília (DF), em 06 de agosto de 1967)