“Em busca de uma teologia da estética!”, de Luiz Sayão (2)

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“Em busca de uma teologia da estética!”, de Luiz Sayão (2)

Inédito

“Em busca de uma teologia da estética!”, de Luiz Sayão (2)

Roberto Torres Hollanda

Francisco de Assis (1182-1226) pregou a pobreza, num tempo em que a hierarquia eclesiástica (papa Inocêncio III, 1160-1216) vivia na riqueza material e no esplendor artístico, e a simplicidade, quando a liturgia asfixiava o sentimento religioso do povo.

Tomás de Aquino (1225-1274) fez a síntese teológica entre os pensamentos humanista (razão) e cristão (fé), entre o Humanismo e o Cristianismo. Não por acaso, Tomás foi grande defensor do papado (ver: Hans Küng, A Igreja Católica. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002). Em sua época, cresceram as universidades e foram construídas catedrais no estilo gótico; a Igreja tinha interesse na usura.

O período gótico tardio (séculos XIV- XV) ocorreu entre o fim da Idade Média e a Renascença (séculos XV-XVI).

No século XIV estabeleceu-se uma corrente de pensadores destinada a lutar contra o que consideravam “o arcaísmo da Igreja”; eram os “modernii”.

As Cruzadas levaram para a Europa ocidental a arte bizantina; a xilogravura cristã recebeu a influência bizantina, que aparece no emocionalismo dos crucifixos de madeira.

A tapeçaria dos artistas de Paris entrou nos templos; são raríssimos os exemplares dessa obra artística (ver: Andrew Martindale, Gothic Art. London: Thames and Hudson, 1988).

Vitralistas e outros artesãos do período produziram grandes obras para serem colocadas nas naves e nas paredes das catedrais góticas.

A Renascença foi uma era de realização cultural, como resultado de renovado interesse nas artes clássicas da Grécia e de Roma. O Humanismo cria que, por meio do estudo dos tesouros artísticos da Antiguidade greco-romana, a humanidade alcançaria grandeza artística e espiritual; era uma concepção antropocêntrica, que divergia da concepção teocêntrica dos séculos anteriores. Entretanto, artistas da Renascença, mesmo os que não eram religiosos, ainda aceitavam a beleza pura, a música absoluta, a arte que possuía um significado espiritual. Pouco tempo depois, a criatura humana novamente passou a acreditar na sua superioridade; aparecia retratada ao lado de figuras do reino celeste; há um pretensioso sentimento de igualdade entre Deus e os homens! A redescoberta do mundo clássico alterou a arte da pintura, mudou o seu conteúdo ideológico. A arte religiosa, de patrocínio ou de orientação eclesiástica, tornou-se humanizada, quase humanista. Entretanto, Savonalora pregava a simplicidade nos costumes eclesiásticos (ver: Tim Parks, Banco Médici. Rio de Janeiro: Record, 2008). Entre 1420 e 1550, escultores e arquitetos italianos, pintores flamengos e alemães, produziram arte pictórica para a Igreja. No século XVI, a Igreja estimulou a pintura afresco.

Nos pontificados de Júlio II (1503-1513) e Leão X (1513-1521), com o dinheiro arrecadado com a venda de indulgências, foi acelerada a construção da basílica de São Pedro, em Roma.

De 1500 a 1525, as artes na Itália atingiram seu clímax. A pintura “religiosa” de Da Vinci, Michelangelo, Rafael, Ticiano e Tintoretto deixou obrasprimas (“A sibila”, “O dilúvio”, “A santa família”, “Maria Madalena”, “Adão e Eva”) de competência técnica e imaginação estética, de harmonia e equilíbrio, que ocultavam os ideais humanistas de seus criadores.

O papa Leão X (1475-1521) acima de tudo gostava da arte renascentista; talvez por isso não deu a devida importância ao movimento reformista que se esboçava na Igreja. Mas, depois de longo período sem contestação, as artes na Igreja voltaram a receber críticas, obviamente por parte de teólogos protestantes.

No século XVI, a Igreja Católica Romana estava plenamente aberta às diversas manifestações artísticas. Pelo relato que fizemos a respeito de sua evolução, é possível perceber que, ao longo de 1500 anos, na Igreja Católica ocorreu uma mudança: da liberdade no ambiente de culto, usufruída nos tempos apostólicos, para a fixidez da liturgia; da simplicidade, para a ostentação dos lugares de culto, sob o bafejo do Império Romano.

Para a hierarquia católica, o culto era mais uma arte; esquecia que deveria ser uma arte genuinamente religiosa. A Igreja queria a Arte, buscava a Estética. Para tanto, muito contribuíram o sacerdotalismo, o sacramentalismo e o mercantilismo; este, impulsionado pela família Médici.

O interesse pelas manifestações artísticas significou uma volta aos ritos do Antigo Testamento. O que Arão e os levitas tinham sido no culto judaico, foi o clero na Igreja Romana.

A Igreja, colocando-se, na pessoa do papa, como autoridade acima da Bíblia, dos concílios e das paróquias, e justificando as obras humanas para a salvação, por meio da missa, dos sacramentos, da penitência e do purgatório, assumia uma atitude humanista. Os intelectuais católicos entendiam as Artes como oferenda da Igreja a Cristo. Por isso instauraram o culto da Arte, inclusive subordinando a Liturgia à Arte. O conteúdo ideológico da pintura de Rafael equiparava Roma a Atenas, a Religião à Arte; o de Miguel Ângelo colocava os profetas e as sibilas lado a lado. Os humanistas deram o primeiro passo para a secularização.

O Protestantismo tomou posição contra o Humanismo, quando procurou a simplicidade nos atos de culto, para restaurar o equilíbrio entre Religião e Arte (ver: Francis Schaeffer, “A fé dos humanistas”).

Luiz Sayão busca a Estética, colocando-se, de certo modo, entre os “modernii” do pensamento gótico. Imitando a linguagem deles, considera que a herança dos evangélicos no Brasil é arcaísmo; que os evangélicos têm “dificuldades de dialogar com a estética e com a cultura nacional contemporânea”. É oportuno lembrar que a “estética” contemporânea frequentemente não possui significado moral. Ele busca uma nova Teologia da Estética, evidentemente não a que vigorou na Renascença, um estilo em nível muito mais elevado do que o contemporâneo; basta dizer que ele se compraz com “ritmos como valsa, rock e samba”, na opinião dele (sic) “usados por Deus para o benefício do reino”. Com uma “estética” desse nível chegaremos perto da “teologia” proposta.

Afirma que Francis Schaeffer (1912-1984) criticou a atitude do evangelicalismo americano “de afastar-se da arte”. O que, com efeito, Schaeffer censurou foi “a entrada do conceito humanista na igreja protestante”. Em sua época já eram fortes os pensamentos humanistas na Igreja Católica e nas igrejas protestantes, que, convergindo, atenderiam ao propósito principal do papa João XXIII: o ecumenismo, sob a égide da Igreja Romana.

A igreja primitiva e as igrejas da Reforma Protestante não adotaram princípios humanistas, nem o relativismo teológico e moral. Às igrejas pouco falta para adotarem as artes marcadas pelo desespero. Luiz Sayão afirma que “foi mortal para a Igreja”, quando os cristãos conservadores entregaram (?) as artes do espetáculo aos artistas mundanos.

Devemos com esmero prestar culto a Deus; isto não significa que o nosso culto prestigie a Arte e os artistas, sejam quais forem.

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(Escrito em Brasília (DF), em 07 de fevereiro de 2008).

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