Doc.JB – No. 843 –
Rolando de Nassau
Ateus, podem compor música sacra?
(Dedicado ao leitor Jônatas Fernandes Pereira, São Paulo, SP)
Ouvimos, numa grande igreja em Brasília, o coro cantar “Grande é Jeová”, trecho da ópera mitológica “Tannhauser”, de Wagner, e “Dai ao Senhor louvor”, obra coral de Saint-Saëns.
Wagner e Saint-Saëns eram ateus!
Estranha companhia para um cristão, mas não para Wagner: a de Schoppenhauer e Nietzsche! Ele imaginou escrever óperas com assuntos religiosos cristãos, como também outros compositores na Europa do século 19.
“Estranho destino, que obriga a falar de Saint-Saëns, mesmo numa história da música religiosa, apesar de suas profissões renovadas de ateísmo!”, exclamou o historiador Paul Huot-Pleuroux.
Desde 1850, a música religiosa afastara-se do teatro profano de Wagner. Perdura a reflexão dos críticos musicais cristãos: é necessário ser crente para compor música religiosa?
Kressman (De la musique religieuse. Paris: 1944) respondeu: “Um incrédulo não pode compor ou executar uma música que seja religiosa. Ele não cria uma obra religiosa, se não está submetido à fé”. Jacques Maritain sentenciou: “Se quereis fazer uma obra cristã, convertei-vos a Cristo”.
Entre os compositores eruditos, encontramos ateus, que não acreditavam em nenhum deus: Bartok, Boulez, Copland, Grainger, Khachaturian, Paganini, Ravel, Varèse e Wagner; não compuseram para a Igreja, no que se revelaram honestos.
Não agiram de acordo com a ética, os ateus que compuseram música pretensamente sacra: Berlioz – quatro vezes tentou interpretar temas religiosos; homem de teatro, sempre teve dificuldade em adaptar-se a um quadro religioso; ele enfatizava o aspecto dramático dos relatos bíblicos; Bizet – compôs apenas uma obra de intenção religiosa, que não figura entre as páginas mais interessantes de sua produção; Britten – tinha uma tendência para explorar assuntos religiosos, especialmente usando as inocentes vozes infantís, e eventos históricos ligados à religião, como a inauguração de uma nova catedral em Coventry, em 1962; Holst – atraído pela música oriental e pela tradição religiosa hindu, Holst buscou o esoterismo num contexto cristão; Fauré – sobre hino latino, traduzido por Racine, seu cântico tem recebido a simpatia de jovens ministros de música evangélicos; Janacek – este folclorista, que renovou a liturgia eslava, dizia: “Escrevei em latim, mas pensai em tcheco!”; Prokofiev – usou uma parábola de Jesus para explicar sua situação política; Saint-Saëns – foi organista profissional, durante mais de vinte e cinco anos, contratado pela Igreja Católica Romana; considerou-se devedor, compondo música para órgão de igreja; tentou imitar um oratório de J.S.Bach; numa triunfante viagem pela América do Norte, com objetivo econômico, Saint-Saëns compôs a obra coral “Dai ao Senhor louvor”, cantada pelo coro ingênuo de Brasília; Schubert – no fim da vida, pareceu se preocupar com a música sacra, mas omitia os versículos litúrgicos que não lhe convinham; não teve tempo para renovar o repertório sacro ou para definir sua posição religiosa; não foi um católico reverente; Shostakovich – imitou Prokofiev em sua ambiguidade moral.
Encobrindo seu ateísmo, mas compondo obras religiosas, foram possivelmente ateus: Brahms – que escreveu esperar “manter a coragem e a animação suficientes” para compor uma importante obra coral”, e Verdi – que aproveitou um dueto operístico numa missa.
Além dos ateus, os agnósticos, que não emitem opinião sobre sua crença, apenas admitindo a possibilidade da existência de um deus: Rimsky-Korsakov – compôs obras de cunho religioso para a Igreja Católica Ortodoxa; e Richard Strauss no seu catálogo encontramos raras obras de índole espiritual, senão religiosa.
Eram panteístas, pois consideravam a Natureza como algo a ser reverenciado e tinham profunda admiração pelo Cosmo, sem relação com as religiões: Beethoven, Debussy, Delius, Mahler (judeu convertido nominalmente ao Catolicismo) e Vaughan-Williams.
Foi enigmático o comportamento de Rossini, cuja posição sobre Deus é desconhecida, mas ele rejeitou as religiões.
Em 1967 escrevemos contra a execução de obras dos ateus Schubert e Wagner; dissemos que a ignorância ou a complacência de alguns dirigentes musicais têm gerado em nosso povo as ideias errôneas de que “toda a música serve para ser executada num templo, ou num programa radiofônico ou televisivo, e que toda a música de grandes compositores é do gêero sacro” (ver: OJB, 12 mar 67).
Fizemos esta pesquisa para alertar os ministros e diretores de música sobre a inconveniência de executar falsa música sacra. Agora os músicos evangélicos não têm desculpa para usar música de ateus.
(Publicado em “O Jornal Batista”, de 1º. de abril de 2018)