No. 845 – “Audio et vídeo” – 04 nov 18

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No. 845 – “Audio et vídeo” – 04 nov 18

Doc.JB – No. 845\\\

Rolando de Nassau

“Audio et Video”

(Dedicado ao leitor Lauro Cruzaltense, de Brasília, DF)

Foto: Edsom da Silva Leite

                   Os Latinos possivelmente não imaginaram que as comuníssimas palavras “audio et video” (ouço e vejo), usadas em sua florescente civilização, mais de dois mil anos depois teriam tamanha importância em nossa cultura contemporânea.

Provavelmente, eles dispunham de um megafone para ampliar suas comunicações verbais. Talvez tivessem um calidoscópio para seu entretenimento.

Nesta “aldeia global”, nos últimos 130 anos, a gravação de sons e imagens, e a amplificação de áudio e vídeo, revolucionaram as comunicações entre os homens. A mensagem audiovisual é, acredita-se, mais eficiente.

No Brasil, na década de 50, a fabricação no país do automóvel e a importação do disco de alta-fidelidade permitiram ao brasileiro pertencente à classe média ostentar esses novos símbolos de “status”.

Depois vieram o disco estereofônico, o disco digital e o disco compacto, reproduzido a raio laser. Qualquer dessas inovações tecnológicas procurou a “transparência” eletroacústica na gravação e na reprodução sonora.

Mas nenhuma delas possibilitou ao ouvinte avaliar a fidelidade à obra musical, objeto da gravação, tendo à sua disposição uma cópia supostamente fiel. Audição fiel é a recebida pela orelha, se esta for boa …

A maior parte dos ouvintes de discos eruditos não sabe como soa, numa sala-de-concertos, um quarteto de cordas, um piano, uma orquestra sinfônica. Perde-se o hábito de ir a um concerto. Seria bom se as igrejas imitassem o exemplo de São Paulo, que promoveu um concerto numa das mais importantes salas-de-concerto do mundo para comemorar a Reforma.

O ouvinte contemporâneo não sabe escutar. Como sentenciou Mário da Silva Brito, “a maioria das pessoas ouve, mas não escuta”. Ele não precisa fazer esforço de atenção, nem de memória: basta colocar novamente o disco ou a fita para reprodução da execução musical. Além disso, recorre a técnicas e dispositivos alternativos que podem modificar a reprodução sonora.

Esta situação foi criada pela portentosa indústria fonográfica, que produz música “pronta para ouvir”. No caso da música de consumo popular, a situação é pior: não é música do povo, como a folclórica, mas para o povo, em função de critérios meramente comerciais. É o caso do disco “Jazz Sebastian Bach”, produzido pelos “Swingle Singers”(ver: N. Lebrecht, Maestros, obras-primas e loucura. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record, 2008).

Considerando que quase 90 por cento da música consumida encontra-se registrada em disco estamos diante de um fato cultural: na primeira metade do século 20, a gravação sonora era instrumento auxiliar da cultura musical, não podia substituir a audição direta da música; nos últimos 67 anos, ela representa a realidade musical, até mesmo quando está presente o executante; é o caso do malfadado uso do “play-back”, que erve de fundo musical para o cantor solista ou o coro.

Hoje, o músico erudito também deseja ter a “sonorização” de seus concertos; o músico popular usa instrumentos eletrificados ou eletronizados.

A banalização e vulgarização da música condicionam a grande massa dos ouvintes a uma estética simplista. Os produtores de música gravada (compositores, editores, intérpretes) ignoram como reagem os ouvintes às suas produções. Os ouvintes são mergulhados num banho de música “sintética”. Somente os industriais (técnicos de gravação, mixagem e outras operações de estúdio fonográfico, que nada entendem de música sacra, mas produzem os chamados discos evangélicos) e os comerciantes (corretores, empresários, locutores de programas musicais no rádio, apresentadores de televisão, donos de lojas de discos) estão interessados nos ouvintes, para saber se estão comprando suas gravações …

No meio evangélico, o disco LP ou CD às vezes tem sido instrumento de banalização “intra muros” da música religiosa e o responsável pelo rebaixamento do seu nível artístico.

Áudio, entre os Evangélicos, significa maior possibilidade, maior frequência no consumo de música evangélica.

Mas a era do áudio está cedendo mais tempo e mais espaço ao vídeo.

Na música “pop” ou “gospel”, não há lançamento que deixe de usar através da televisão a imagem dos músicos ou cantores; no “vídeo-clip”, há um enredo que procura, por meio de imagens, explicar o texto da canção; é a mais cabal demonstração da pobreza literária dessa canção; o que sobressai não é a música em si, mas as imagens de excepcional interesse visual; aliás, as imagens nem sempre se relacionam com a execução musical; este é um caso extremo de aviltamento da música,

no qual a música está subordinada à imagem!

No meio evangélico constatamos a tendência de valorizar o vídeo, em detrimento do áudio. Por isso, pululam os espetáculos musicados (“musical shows”, ou “musicais”), de origem estrangeira. Esses espetáculos, por uma questão de pudor, preferem não ser chamados de operetas, com coreografia. Isso ocorre enquanto não aparece quem tenha disposição para encenar as operetas, aproveitando a experiência dos sambas-enredo Por que músicos evangélicos estão procurando o visual? Em parte porque está na moda, ou porque desprezam a verdadeira música sacra, que não precisa do elemento visual.

Alguém acha necessário apresentar a “Paixão, segundo São Mateus”, de J.S.Bach, com cenários, figurinos, mímica, ação teatral? As palavras do texto evangélico e as melodias bachianas são suficientes para transportar-nos ao tempo de Jesus Cristo.

Estas considerações, lamentavelmente, não constam de documento que se proponha a constituir uma “filosofia musical” para as igrejas. Alegam que o uso do visual é importante para a pregação do Evangelho. Afirmou Saint-Exupéry que “o essencial é invisível para os olhos”. O essencial do Evangelho vem pelo ouvir, não pelo ver (Romanos 10: 14; João 20: 29).

A valorização do vídeo acaba alterando a essência espiritual do culto. A “liturgia” (ou, melhor dizendo, a “ordem do culto”) é mero pretexto para dar oportunidade a que seja realçado o aspecto espetacular do “culto”; assim, poderá ser divulgado pela Internet.

Então, os crentes procurarão, por meio de transmissões “ao vivo”, a igreja, o pregador, o coro, o cantor ou o instrumentista que satisfaça o seu gosto.

Os internautas, mesmo os não crentes, terão um bom entretenimento.

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(Publicado em “O Jornal Batista”)

2018-08-06T18:11:14+00:00 By |Recitais e concertos|