No. 848 – “A música, no ano que não terminou” – 05 ago 18

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No. 848 – “A música, no ano que não terminou” – 05 ago 18

Doc.JB – No. 848

A música, no ano que não terminou

(Dedicado ao leitor Múcio Cévola Botelho Vianna, de Brasília)

                                                                  Rolando de Nassau

                   1968 foi um ano que se caracterizou pelas tensões políticas e culturais, com reflexos na atividade musical.

O estudante tomou o lugar do proletário na imaginação revolucionária. Os movimentos estudantís desencadearam crises de autoridade. Nesse ano, a juventude voltou-se contra a situação política em seus respectivos países. A onda de protestos, começada em março, teve resultados negativos: os assassinatos do pastor Martin Luther King Junior (1929-1968) e do político Robert Francis Kennedy (1925-1968), que pregavam a favor dos direitos civis, e a violenta repressão que matou o estudante Édson Luís. O meu auto-exílio começou em outubro.

No dia 12 de dezembro eu estava no plenário, ao lado e Arruda Câmara (ARENA-PE), assistindo a sessão que votaria o pedido do governo para processar um deputado federal; o pedido foi recusado. No dia seguinte foi baixado o Ato Institucional no. 5, que decretou o recesso do Congresso Nacional, entre outras medidas punitivas.

Com os versos “Alvorada lá no morro, que beleza, ninguém chora, não há tristeza”, Cartola e Hermínio Belo de Carvalho fizeram sua crítica ao regime militar. Outros músicos populares participaram da contestação política, escrevendo letras;

várias sofreram lancetadas e proibições da censura; a primeira, de Chico Buarque, em 1965, foi “Tamandaré”. Houve, de parte a parte, exageros. No ano que não terminou, na acertada expressão do jornalista Zuenir Ventura, o povo brasileiro vivia perplexo ante a grave situação política do país.

A americanização da música brasileira foi outro motivo para o protesto de jovens compositores baianos.

Caetano Veloso (1942-    ) em 1966 tinha recebido o prêmio de melhor letra no Festival de MPB, promovido pela TV-Record; iniciou o movimento tropicalista; em 1968 concorreu ao prêmio do Festival Internacional da Canção, da TV-Globo, com a letra “É proibido proibir”; esteve exilado em Londres.

Gilberto Gil (1942-    ) participou do movimento tropicalista, rompendo com a linha tradicionalista da MPB. Em 1968 foi preso, tendo escrito “Aquele abraço”; foi exilado. Em maio, na época das manifestações em Paris, lançou o disco manifesto “Panis et Circensis” (Pão e Circo).

Chico Buarque (1944-    ) ingressou na “bossa-nova” do “Mackenzie” de São Paulo, tendo escrito “Pedro pedreiro”, em 1965, inaugurando a canção-de-protesto no Brasil. Também exilou-se; escolheu a Itália; voltou em 1970, para escrever “Construção”, de forte conteúdo social; geralmente comenta a indiferença geral pelo sofrer alheio e protesta contra a desumanidade crescente da vida urbana. Participou, com Tom Jobim (1927-1994), de dois festivais.

A “Tropicália” e a “Bossa-Nova” não afetaram a música evangélica, embora tenham atraído a juventude. Ficou evidente que os temas da música evangélica eram diferentes dos assuntos da vida urbana. Em suas canções, os “Quatro Grandes” fizeram incursões em temas teológicos (ver: Carlos Eduardo Brandão Calvani, Teologia e MPB. São Paulo: Universidade Metodista e Edições Loyola, 1998).

Entretanto, na década de 80, o jovem João Alexandre(1964-    ) tinha proposto que na música evangélica  fossem inseridos elementos da cultura brasileira; em sua obra estão “Prá cima, Brasil!”, a primeira canção-de-protesto, e “É proibido pensar!”, vigorosa crítica aos líderes do novo Pentecostalismo (ver: OJB, 03 set 2006).

Os “Beatles” e “Rolling Stones” mudaram os padrões  de comportamento dos jovens. A música dos “Beatles” influenciou a de seus contemporâneos  Caetano Veloso e Gilberto Gil, no que se refere ao uso da guitarra e do som roqueiro.

Em novembro de 1968 os “Beatles” lançaram o disco “Revolution”, em que diziam: “queremos mudar o mundo”. Eles adotaram ideias progressistas em suas canções, especialmente no álbum “Sargeant Pepper”. Depois que conheceram o indiano Ravi Shankar (1920-1966) alteraram o estilo; o som hipnótico da cítara já marcara “Norwegian Wood”, mas em 1968 houve uma mudança na música popular anglo-americana.

Os “Rolling Stones”, há mais de 55 anos, são frequentemente relacionados com a contracultura: suas manifestações revelam um sentimento de revolta contra as atividades e os costumes vigentes. Em 1968 lançaram as músicas “Their Satanic Majesties Request” e “Sympathy for the Devil”; esta, inspirada em uma visita a um centro de candomblé na Bahia. Estiveram no Brasil em 1995, 1998, 2006 e 2016. Em fevereiro de 2006 cantaram a mensagem de simpatia pelo Diabo na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, para mais de 1 milhão de pessoas.

Desde 1968, o canto congregacional vem sendo assediado pelo “gospel-rock” (roque santeiro); a música dos jovens evangélicos tem sido seduzida pela “rock-song” (“Beatles”) e pelo “pop-rock” (“Rolling Stones”); alguns, que aspiram subir ao palco do “Rock in Rio”, praticam o “heavy-rock” (roque pauleira)

Existem igrejas que admitem o “rock” em seus cultos para atrair os jovens. Em 1986 escrevemos o prefácio para o livro “A mensagem oculta do Rock”, publicado pela CPAD.

Na década de 60 organizou-se a música batista; teria que enfrentar a colossal estrutura da música profana no Brasil!

Mas nos arraiais batistas os compositores, sob a influência de órgãos denominacionais, ficaram “vendo a banda passar”. Para meu desencanto, o que era novidade musical, passou …

Em 1968 só publicamos nesta coluna um artigo sobre recitais e concertos musicais: sobre a turnê do “Teentoners”, coro juvenil (13 a 18 anos de idade) da primeira igreja batista de Minden, Louisiana, EUA. Participaram do culto gratulatório pelo 8º. aniversário da Igreja Memorial Batista, em Brasília (DF). Cantaram sob a regência de Danny Frank Whipple, acompanhados pela organista Grace Turner e pela pianista Suzanne Agan, um repertório de música religiosa e folclórica adaptado às suas possibilidades vocais (ver: OJB, 08 set 1968).

Passados 50 anos, escreveremos novamente: “Está faltando alguém, no meio batista brasileiro, que imite o notável exemplo de Danny Frank Whipple”.

 

(Publicado em “O Jornal Batista”)

2018-08-06T18:37:28+00:00 By |Recitais e concertos|