Doc.JB – No. 849
Miriam Carpinetti no “Orgelbüchlein Project”
(Dedicado ao leitor Glênio Cabral)
Desde 1º. de agosto, Johann Sebastian Bach estava na folha de pagamento dos músicos da corte de Köthen, próxima das cidades de Halle e Leipzig (Alemanha).
Em outubro de 1717, para celebrar o segundo centenário da Reforma Protestante, o duque Wilhelm Ernest, de Weimar, promoveu três dias de festa. Nessa ocasião, Bach solicitou permissão para mudar-se, aceitando o convite do príncipe Leopold von Anhalt-Köthen para exercer o cargo de mestre-de-capela. O duque Wilhelm reagiu, determinando a prisão de Bach
de 06 de novembro até 02 de dezembro. Saindo da prisão de Wei mar, Bach foi demitido por “indecorosa exoneração”.
Em Weimar Bach tinha concebido um livreto (Büchelein) para dar instruções a um organista iniciante na execução de um coral, além do domínio do pedal.
Terry, em 1928, criou a tese de que o “Orgelbüchlein” (Pequeno Livro de Órgão) tinha sido escrito por Bach durante o período de sua prisão. Emery, em 1983, considerou-a insustentável. Schweitzer foi o primeiro musicólogo, em 1908, a reconhecer que Bach, ao findar-se o período de trabalho em Weimar, tornara-se independente dos mestres Pachelbel e Buxtehude, e renovara o prelúdio coral para órgão. Ele projetara o “Orgelbüch- lein”, que continha 46 (BWV-599-644), apenas um terço dos 164 corais que preencheriam as páginas em branco do livreto; estava incompleto. Será que a ida para Leipzig, em1723, teria evitado a conclusão? Por que Bach tinha abandonado o projeto?
A edição original francesa (1905) do livro de Schweitzer, prefaciada pelo organista Charles-Marie Widor (que possuímos desde agosto de 1956) foi tão influente que foi construído, em Strasbourg, um órgão para a igreja de São Tomás baseado em suas ideias.
O filósofo Ernst Cassirer, em 1979, considerou o estudo erudito de Schweitzer “uma das melhores interpretações de Bach”.
A partir de 1927, Schweitzer propugnou pela construção de órgãos-de tubos de estilo barroco. Ciceroneados pela organista Elisa Freixo, em 1912 visitamos 13 cidades alemãs (na Saxônia e na Turíngia), onde encontramos órgãos de Silbermann Trost, Hildebrandt e Schnitger, construídos no século 18, que, até recentemente (2010), estavam sendo reformados ou recuperados; era o prolongamento da campanha de Schweitzer.
Geiringer em 1984, como Terry em 1928, ficou impressionado pelo fato de Bach ter feito “o melhor uso do seu lazer, forçado pela prisão”.
Em 1984, Roland de Candé externou sua indignação diante da prisão do célebre organista, incrível e extravagante, sem levar em conta que a Alemanha era a pátria da disciplina.
Estranhei, inicialmente, a existência de um projeto para “completar a obra” de Bach: era o “The Orgelbüchlein Project” (TOP), um ambicioso projeto internacional de composições fundado e dirigido pelo organista William Whitehead. Ele desafiava organistas a compor no estilo de Bach. Seria uma forma de os músicos do século 21 contribuírem para a obra de Bach.
Em 2017 foi lançado um volume, de no. 4, contendo antigas e novas composições para os BWV-87 e 113, no qual participaram três compositoras, pela famosa editora “Peters”, fundada em Leipzig, em 1800.
O TOP conta com 526 membros e o apoio do Royal College of Organists (RCO).
Ainda em 2017, o RCO e o TOP abriram um concurso de paráfrases; inscrições até 1º. de junho; a melodia do prelúdio deveria ser preservada; a escala deveria ser a mesma do original bachiano; a peça deveria ser para solo de órgão; o estilo estava liberado; a competição seria julgada em concerto público;
um painel, presidido por Philip Moore (RCO), julgaria as composições; as peças vencedoras poderiam ser incluídas na próxima edição do “New Orgelbüchlein” (NO).
A organista presbiteriana Miriam Carpinetti (ver: biografia em nosso “website” – http://www.nassau.mus.br/) inscreveu-se com o coral “Es spricht der Unweisen Mund wohl”, que foi executado, em 08 de agosto, pelo organista Nicholas Morris, na igreja anglicana de São Jorge (Hanover Square, Londres).
Para nossa grande alegria, sua composição organística foi selecionada para a fase final da competição; Miriam foi a única compositora finalista, mulher e latino-americana.
A composição, inspirada pelo Salmo 14 e dedicada ao organista Alexandre Rachid, também significou uma homenagem aos compositores Hanns Jelinek (1901-1969) e Olivier Messiaen (1908-1992).
Outras composições de Miriam: “O Herr Gott, dein göttlich Wort”, “Erbarm’ dich mein, O Herre Gott”, e “Ein’ feste Burg ist unser Gott”, sugeridas pela música de Messiaen.
Em outubro de 2017, no Primeiro Seminário de Música Brasileira, promovido pela UNESP, em São Paulo (SP), o organista Bruno Tadeu tocou prelúdios corais de Miriam.
Os organistas brasileiros foram muito honrados com a participação brilhante de Miriam Carpinetti no “Orgelbüch- lein Project”.
(Publicado em “O Jornal Batista”, de 1º. de julho de 2018)