Rolando de Nassáu
Em nossos artigos “Música Evangélica: Realidade e Ideal” e “Em Defesa da Música Brasileira” (ULTIMATO, março e agosto de 1977) apelamos aos editores e dirigentes musicais das denominações evangélicas do Brasil no sentido de darem oportunidade aos compositores e autores brasileiros.
Em consonância com esses artigos, recebemos do Professor e Ministro de Música João Wilson Faustini a gentil oferta de um luxuoso exemplar da coletânea de hinos intitulada “Seja louvado“, publicada em 1972.
Curiosamente, esse hinário, contendo música brasileira, foi editado pela Saint Paul’s United Presbyterian Church (117 Union Street, Newark, New Jersey, 07105), nos Estados Unidos da América …
Enquanto realizava o mestrado em música no Westminster Choir College, Faustini servia como organista e regente dos coros dessa igreja.
Sob a supervisão de Loyde e Zuínglio Faustini, foram selecionados 315 hinos, sendo 140 extraídos de diversos hinários brasileiros (entre eles, “Cantor Cristão”, “Cantai ao Senhor”, “Hinário Evangélico”, “Salmos e Hinos”) e 175 hinos inteiramente novos na língua portuguesa.
Pela primeira vez, 59 hinos originalmente escritos em português foram vertidos para o inglês, com a ajuda da “Hymn Society of América”, para serem usados fora do Brasil.
Em 1971, João Wilson, Loyde e Zuínglio Faustini tinham publicado a coletânea “Hinos Contemporâneos“, contendo melodias folclóricas nacionais e estrangeiras.
Entre os 45 autores brasileiros encontramos em “Seja louvado” dois luminares das letras nacionais: o malsinado romancista e conceituado gramático Júlio César Ribeiro(1845-1890) figura com o hino “Quanta dor, quanta amargura” sobre a música de um “Kyrie” de José Maurício; do apreciado poeta Manoel Bandeira (1886-1968) foi aproveitado o “Canto de Natal”, com música de Villa-Lobos.
Participam ainda: Pe. Antônio Pereira de Souza Caldas (1762-1814), Rev. José Manoel da Conceição (1822-1873), Antônio José dos Santos Neves (1827-1874), Rev. Manoel Antônio de Menezes (1848-1941), Guilherme Luiz dos Santos Ferreira (1849-1931), Rev. Leônidas Philadelpho Gomes da Silva (1854-1919), João Gomes da Rocha (1861-1947), Rev. Jerônimo Gueiros (1870-1953), Rev. Alfredo Henrique da Silva (1872-1950), Rev. Benjamim Rufino Duarte (1874-1942), Rev. Otoniel Mota (1878-1951), Rev. Antônio Almeida (1879- ? ), Rev. Salomão Ferraz (1880-1969), Rev. João Marques da Mota Sobrinho (1883-1964), Cecília Rodrigues Siqueira (1885- ? ), Rev. Belmiro Andrade (1889-1941), João Diener (1889-1963), Rev. Paschoal Luiz Pitta (1891-1960), Rev. Renato Ribeiro dos Santos (1898-1967), Rev. Antônio de Campos Gonçalves(1899- ), Rev. Manoel da Silveira Porto Filho (1908- ), Rev. Jorge César Mota (1912- ), Rev. Wilson Castro Ferreira (1913- ), Isaac Nicolau Salum (1913- ), Rev. João Dias de Araújo (1930- ) e João Wilson Faustini (1931- ).
Outros autores: João Gomes Loja, Lóide Bonfim de Andrade, Hélio Amaral Camargo, Jonas Leme de Camargo, Rev. Ismael de França Campos, J. Costa, Rev. Nathanael Emmerick, Dalila A. Fernandes, Rev. Antônio de Godoy Sobrinho, Jacob Eduardo von Haffe, Rev. Egmont Machado Kriscke, Blanche Licio, Henrique Lopes Mendonça, Antônio Pinto Ribeiro Júnior, Vicente Russo, Rev. Matthathias Gomes dos Santos e Rev. Manoel Barbosa Souza.
No hinário “Seja louvado” encontramos nada menos de sete compositores eruditos brasileiros: 1) Luiz Álvares Pinto (1719-1789), que compôs a melodia “Judex Crederis”; 2) Pe. José Maurício Nunes Garcia (1767-1830); 3) Alberto Nepomuceno (1864-1920),com a melodia “Trovas”; 4) Francisco Braga (1868-1945) 5) Heitor Villa-Lobos (1887-1959); 6) Luciano Gallet (1893-1931), que harmonizou a modinha carioca “Noite calmosa”, arranjada por Faustini para o hino “Muitas vêzes no passado”; 7) Fructuoso Vianna (1896- ).
Entre os compositores evangélicos estão: Rev. Antônio Pedro de Cerqueira Leite (1845-1883), José Severino Calazans dos Santos (1884-1956), Rev. Renato Ribeiro dos Santos (1898-1967), Henriqueta Rosa Fernandes Braga (1909), Guilherme Loureiro (1916), João Wilson Faustini (1931), Paulo Marcos T. Aires (1940-1964), Vicente Aricó Júnior, Dulce Amaral Costa, Luiz Fernandes Braga, Oséias Gama, E. P. Martins, J. M. Rocha Ferreira, Vicente Russo, Feliciano Trigueiro e José Vasconcellos Júnior.
Teve o hinário a colaboração do musicólogo e compositor católico Jaime C. Diniz.
A contribuição pioneira do “Seja louvado” foi o aproveitamento de melodias folclóricas e populares brasileiras.
Para os hinos “É tão vasto o amor divino”, “Nestes dias do mundo moderno” e “Ao Teu lado, ó Deus Eterno”, foi utilizada a melodia “Róseas Flores”, modinha brasileira do século 18.
“Foi numa noite calmosa”, modinha carioca harmonizada por Luciano Gallet e comentada pelo genial polígrafo Mário de Andrade, é um feliz exemplo do desenvolvimento erudito e nacionalizado dos processos populares de composição musical.
Faustini aproveitou melodia fluminense para o hino “Graças Te Rendemos”, de Jerônimo Gueiros, mineira com o “Senhor, eu sei”, de Antônio de Campos Gonçalves, e nordestina no hino “Repousa tranqüilo”, de Isaac Nicolau Salum.
Uma outra contribuição importante de Faustini à hinologia evangélica brasileira diz respeito à acentuação musical.
Sabemos que também em nossa música eclesiástica há desencontro de acentuações de ritmo musical e poético. Mário de Andrade, para quem o cantador brasileiro aceita o tempo, mas despreza o compasso, talvez dissesse tratar-se de reminiscência da música nordestina, particularmente da baiana e da pernambucana.
Na apresentação do hinário, Faustini pondera o seguinte: “Conquanto muitos conhecedores da nossa língua têm se preocupado com a pobreza das rimas nos versos dos nossos hinos, a acentuação métrica musical, que determina a acentuação das palavras, nem sempre tem sido observada com o necessário cuidado. Procuramos neste hinário observar primeiramente a métrica e a acentuação musical, deixando a rima como fator secundário, justamente por ser o hino uma obra lírica para ser cantada, e não lida, e onde a acentuação rítmica das palavras segue rigorosamente a acentuação musical”.
Nos Estados Unidos da América, a música folclórica (“country music”) experimenta uma fase de grande prestígio, prevendo-se seu amplo emprego a atividade musical das igrejas.
No Brasil, derivado da incompreensão do que seja música brasileira, existe o preconceito contra o folclore. Mário de Andrade dizia que “nosso folclore musical não tem sido estudado como merece” e “a música brasileira o que carece em principal é do estudo e do amor dos seus músicos”.
O hinário “Seja louvado”, para dissipar as trevas da incompreensão e do preconceito no ambiente evangélico, deveria romper as barreiras do seu público restrito, o que não parece possível.
Há batistas que propugnam pela publicação de um hinário com música brasileira, em suplemento ao “Cantor Cristão”. O mesmo deve estar acontecendo nas outras denominações evangélicas.
Por isso, sugerimos que os autores e compositores evangélicos brasileiros sejam reunidos numa coletânea que possa servir como suplemento aos vários hinários denominacionais. Uma editora sensível à atualidade nacional (Casa Publicadora Batista, Casa Editora Presbiteriana, Imprensa Metodista, Casa Publicadora das Assembléias de Deus, Editora Betânia, Editora Mundo Cristão ou Editora Caminho Santo?) sabe que tem um grande mercado para a distribuição desse hinário suplementar. O hinário poderia ser organizado pelos Faustinis, Ruy Wanderley, João Fernandes da Silva Neto, Almir Rosa e outros ligados à música evangélica.
Que venha o hinário com música brasileira! É o que todos queremos!
(Publicado na revista “ULTIMATO”, set. 1977, pp. 13-14)